05 junho 2014

Internacionalismo versus Proteccionismo


Dois FÁXISTAS - um preto e um branco! - na praça do Dam em Amesterdão seguram a bandeira holandesa. Lê-se: EUROPA, AMA-A OU PÕE-TE A CAVAR


Costumo dizer que os esquerdistas é só meia-bola e muita foice e martelo! Espero no entanto que os leitores compreendam que isto nem sempre é verdade e que se trata de propaganda FÁXISTA. Na realidade eles já começaram a abrir os olhos e de vez em quando aparece um que diz coisas acertadas.



Muito ao contrário das análises simplórias que normalmente a esquerda tradicional debita sobre o crescimento de partidos como o Front National, ofereço-lhes  em tradução partes de um longo artigo que Paul Scheffer publicou na sexta-feira passada sobre o mesmo tema. Scheffer, o ideólogo do Partido Trabalhista (PvdA), é professor de Problemas Urbanos na Universidade de Amesterdão e de Estudos sobre a Europa na Universidade de Tilburgo.

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‘Zapando’  entre a Tv. britânica, alemã, francesa, belga e holandesa, passei o Domingo à noite durante horas fascinado a ver as reportagens sobre o resultado das eleições europeias. Foi uma experiência bastante didáctica: nunca vi numa só noite tantas figuras políticas em estado de choque. Do cristão-democrata alemão Schaübbe ao socialista francês Laurent Fabius, do liberal britânico  Clegg ao socialista belga Tobback. Todos eles manifestavam o seu desespero em relação aquilo que na Alemanha consequentemente se designa pelo crescimento de ‘partidos antidemocráticos’.

Apesar das diferenças entre estes partidos – que são consideráveis – é possível destilar um padrão dos resultados. Em muitos países os partidos anti-sistema estão em franco crescimento. Também é verdade que com 30% dos votos são ainda uma minoria, mas a tendência é clara. Há falta de melhor, designamos estes movimentos como populistas, mas talvez seja melhor descrevê-los como proteccionistas. Porque no Domingo, se um clamor se fez ouvir, esse foi um apelo de protecção.

E neste caso trata-se de proteccionismo social – medo que o estado providência seja desmantelado por uma política neo-liberal, que ainda por cima aumenta o desemprego e coloca a classe média sob pressão. Esta corrente manifesta-se sobretudo no Sul da Europa, onde partidos da esquerda radical, como o Syriza na Grécia, contestam as medidas de austeridade a que a salvação do Euro obriga.

Mas também se trata do que se poderia designar por proteccionismo cultural – a ideia de que a identidade nacional é a pouco e pouco minada num mundo sem fronteiras. Esta motivação é mais patente no Norte da Europa, onde ganham partidos da direita radical, como o Partido Dinamarquês do Povo; partidos que são contra a imigração como consequência da livre circulação de pessoas na União Europeia.

A enorme confusão no seio do poder estabelecido, é acrescida pelo facto de estes partidos proteccionistas não poderem ser facilmente catalogados de esquerda ou de direita.  Já que o Front National francês, ou o austríaco FPÖ, também se apresentam como defensores do estado providência. E assim o espectro político divide-se de outra maneira: internacionalismo versus proteccionismo. (...)

Quem quiser perceber o Front National de Marine Le Pen, basta reparar numa simples estatística que encontrei no Le Monde: sete de cada dez franceses vivem na região onde nasceram. Daniel Cohn-Bendit, ex-membro do parlamento europeu pelos verdes, diz que o drama da União Europeia é que muita gente não a vê como protectora. (...)

A extinção das fronteiras internas, sem uma eficiente vigilância das fronteiras externas comuns, simboliza esta falta de protecção da Europa. Desta forma a UE cria uma força antagónica que neutraliza a integração que deseja alcançar. Por isso é que não ajuda muito descrever os partidos que representam este apelo à protecção de anti-democráticos, como ouvi em várias tonalidades na noite das eleições.

Seguramente que existe um lado bronco e xenófobo no Front National, mas acho que é preciso ver este apelo de protecção como o poder autocorrectivo da democracia. (...) Quem quiser desafiar o populismo, que demonstre de que maneira a UE pode oferecer mais protecção aos seus habitantes. Mas depois, a pergunta que se coloca é se é possível encontrar uma saída entre um grande salto para trás, em direcção do estado-nação e um grande salto para a frente em direcção da Europa Federal.

Partidos como UKIP na Inglaterra e o Front National em França, formam um desafio fundamental, porque podem fazer com que surja uma maioria que pretende uma saída da UE. O que hoje parece impensável,  em 2017 – o ano de um eventual referendo britânico e das eleições presidenciais em França – pode não ser. A ideia de que nestes dois países estes partidos ganhariam as eleições no Domingo passado, também era impensável há um ano . Isto é válido a curto prazo para muitos outros países: a integração da União Europeia não é um processo irreversível. 


5 comentários:

  1. Bolas, até que enfim um gajo de esquerda que não é ceguinho.

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  2. Alfacinha, como você disse, o nosso Miguel Sousa Tavares também não… Mas vou continuar nesta labuta à procura de esquerdistas que não são ceguinhos-salvo-seja….

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  3. Atenção Carmo da Rosa, há uma grande diferença entre gente de esquerda e esquerdistas. Os esquerdistas tendem a cair para o ortodoxismo e a consequente parvoíce em nome da santa ideologia.
    O MST é um homem de esquerda, democrata insuspeito, que tem olhos para ver e cabeça para pensar. E coragem q.b.

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  4. Alfacinha, quando falo em esquerda/direita é quase sempre ironicamente, ou então para poder rapidamente classificar pessoas, partidos ou movimentos sem longas explicações – só para a gente poder falar. E isso porque a maioria das pessoas está habituada a esta classificação, que de maneira nenhuma é precisa.

    Além disso, como cada pessoa tem uma ideia muito pessoal do que entende por esquerda/direita, ela é obviamente diferente de outra pessoa. Na realidade, antes de duas pessoas iniciarem uma discussão sobre as tendências direitistas ou esquerdistas do MST, ou de outro qualquer, deviam primeiro assentar o que entendem por esquerda vs direita. Reconheço que é chato e dá trabalho, mas evita mal-entendidos...

    Frequentemente as pessoas misturam esquerda/direita com outros conceitos, tais como progressista versus conservador, libertino vs moralista, religioso vs ateu, trabalhador vs patrão, fazendo uma salada russa onde ninguém se entende.

    E depois ainda temos os toscos do costume, que têm uma visão infantil de política, em que a direita (seja lá o que for) representa o inferno, o centro o purgatório e a esquerda o céu (com amanhãs vermelhos que cantam ou 72 virgens à nossa espera). Uma visão que foi decalcada dos livros de catequese para preparar as crianças para a comunhão solene, mas que na prática só serve para envenenar qualquer tipo de discussão.

    De qualquer forma este tema é bastante interessante. Que tal fazer um inquérito mais alargado (várias opiniões) sobre o que cada um entende por ESQUERDA ou DIREITA ?

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  5. Tens toda a razão, há uma mistura de conceitos e achar alguém de esquerda ou de direita é uma questão pessoal. Por exemplo eu não encaixo nem numa outra coisa nem noutra, como uma vez te disse. .Em princípio estou sempre disponível para ouvir e analisar as ideias de outra pessoa e, até por vezes, mesmo que não concorde, tentar compreendê-la. Se alguém me vier com argumentos muito bons, até sou capaz de ponderar seriamente se não terá razão. Contudo há uma coisa que eu não suporto absolutamente nada, essa coisa é a ortodoxia, venha ela de onde vier. Extremismos não são comigo. Aí reside a diferença que faço entre pessoas de esquerda e esquerdistas.
    Mas é uma boa ideia que tu lanças para tentar entender o que cada um entende por esquerda ou direita. Põe no entanto as barbas de molho porque não irá ser tarefa fácil.

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