20 maio 2016

O ESTADO E O TERRORISMO





Como o Estado tem o monopólio do uso da violência, a culpa de não se combater efectivamente atentados terroristas é do Estado. Mas os políticos abordam atentados terroristas como se fossem fenómenos da natureza, disse recentemente o filósofo holandês Paul Cliteur.



Estão zangados contra os terroristas?
Zanguem-se contra o Estado.

Uma das coisas mais curiosas nos confusos acontecimentos à volta dos atentados de Bruxelas, é o facto de muita pouca gente ver nisto um falhanço do Estado, e no entanto foi isso que aconteceu. Para que temos nós um estado? O estado é uma organização que tem a pretensão de proteger os cidadãos entre eles e contra ataques de outros estados.

A primária função do estado é ter o monopólio do uso da violência: o estado desarma os seus cidadãos mas tem a polícia e a justiça para resolver conflitos. Mas desde os ataques de 11 de Setembro e dos muitos outros que se seguiram, parece que o Estado não pode ou não quer exercer a tarefa para que foi concebido.

Os políticos abordam os atentados terroristas como se fossem fenómenos da natureza; podemo-nos lamentar, participar em marchas silenciosas com lamparinas, dando a impressão que tudo isto nada tem a ver com uma falha governativa. Se depois do atentado à redacção da Charlie Hebdo o presidente francês François Hollande conseguiu colocar 70.000 polícias na rua, porque razão não se encontravam mais de dois agentes à porta da redacção do semanário? Como é possível que Salman Rushdie viva há 30 anos como um animal perseguido?

Parece que o Estado julga que os atentados param por si se não pensarmos demasiado profundamente na causa que os provocam. E a causa é uma forma de pensar. Uma coisa que os irmãos Kouachi, Coulibaly e Abdeslam todos eles têm em comum é uma maneira de pensar, um conjunto de ideais comuns. Designar esta maneira de pensar como uma 'religião' ou uma 'ideologia', ou uma combinação das duas coisas, sobre isto as opiniões divergem. Mas seja o que for uma coisa é certa, esta maneira de pensar não vai desaparecer pelo simples facto de não se lhe dar a devida atenção.

Dito de outra maneira: os estados não desenvolveram nos últimos anos uma significante cultura de combate ao terrorismo. Pior ainda, pensam - ou estão mesmo absolutamente convencidos - que isso não ajuda. Entretanto o mercado é inundado com propaganda para a luta armada em países longínquos sem que o estado contraponha uma versão própria mas mais atraente dos factos.

Uma versão sobre democracia, estado de direito, direitos humanos e sobre como viver num espaço onde podemos ler livros com imagens de todos os deuses e profetas que este mundo até agora conheceu. É evidente que é preciso ao mesmo tempo investigar, perseguir e julgar. Podemos sempre alegar factores geopolíticos que influenciam o terrorismo. Mas o terrorismo é também uma maneira de pensar. Uma forma de pensar que deve ser analisada sem descurar os fundamentos religiosos e ideológicos.

Nos últimos quinze anos nada disto aconteceu. E por isso foram anos perdidos no combate ao terrorismo. Talvez que agora Bruxelas seja um 'wake-upcall' e que algo mude. "Santo Sócrates, reza por nós", dizia Erasmo de Roterdão. Rezemos para que isso realmente aconteça.

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