Segundo peritos franceses de arte o pintor realista Gustave Courbet cortou a cabeça à sua famosa pintura de 1866, L’origine du monde. A pintura, em que se vê um torso de mulher nua, teve inicialmente uma cabeça que um coleccionador anónimo comprou há três anos num antiquário por 1400 euros. A Wikipédia portuguesa refere ainda que “a pintura foi feita a pedido do diplomata turco otomano Khalil-Bey, que solicitou ao pintor uma imagem que retratasse o nu feminino na sua forma mais crua, por ser coleccionador de imagens eróticas.”
Porque razão censurei a pintura?
Para demonstrar o que vai acontecer à fotografia no meu jornal (NRC), quando o correspondente holandês do mesmo receber um exemplar em Teerão. Num delicioso artigo de Setembro de 2012, Thomas Erdbrink, aborda este assunto: a censura de jornais e revistas pelo regime da República Islâmica do Irão:
No papel celofane em que o jornal está embrulhado não se nota nada. Trata-se do NRC do qual sou correspondente em Teerão. Apenas correio da Holanda que aparentemente não foi aberto. Mas nas páginas interiores – sobretudo na secção de arte – nota-se que os funcionários persas espiolharam o jornal. Uma fotografia de uma bailarina tem uma etiqueta azul colada em cima. Noutra fotografia, feita numa praia a anunciar o verão, todos os biquínis foram tapados com etiquetas…
A seguir dobram o jornal bem dobradinho, enfiam-no de novo no saco de celofane e é-me enviado – com atraso. Mais tarde apercebi-me que os anúncios nas revistas Newsweek e The National Geographic (à venda no quiosque da esquina) também são tapados com etiquetas para evitar que os persas (e a minha pessoa) sejam demasiadamente confrontados com os anúncios carregados de sexo do perverso Ocidente.
A ideia por trás desta censura é simples. O islamismo de estado do Irão prescreve que o cidadão deve ser protegido contra si mesmo. Os líderes eclesiásticos julgam que o indivíduo é permeável à corrupção, por conseguinte, o Estado, como um pai tirano, deve controlar o comando da TV, os sites da internet, a roupa que se usa e o que bebe o seu rebanho.
Os homens que por cá são quem manda e acham que uma perfeita sociedade islâmica é realizável. E não é por acaso que são normalmente engenheiros ou teólogos de formação. A engenharia social começa sobretudo com proibições. Uma vez por outra vemos agentes da polícia subir a telhados para atirar com as parabólicas ilegais para a rua. Mas todos os anos a minha lindíssima cunhada chega a casa zangadíssima porque a polícia de costumes a prendeu - tinha o obrigatório casaco-comprido demasiadamente curto.
Enviei este artigo com ajuda de software especial, porque o Gmail, assim como milhões de websites, foi bloqueado: uma medida oficial das autoridades persas contra a Google, por terem difundido o recente filme contra o profeta Maomé.
Big brother is watching you, mesmo quem lê o NRC, era a mensagem que os funcionários que colam as etiquetas queriam fazer passar. Apesar de nunca ter conseguido falar com algum deles, ouvi dizer que este trabalho é sobretudo realizado por estudantes de teologia que vasculham montanhas de correio reunidos em enormes salas. Disseram-me também que os estudantes não podem fazer este trabalho mais do que três meses seguidos, de outra forma poderiam eles próprios ser “corrompidos”.
CdR,
ResponderEliminarEu acho que vc, sendo um gajo de esquerda, decidiu dar uma boa ideia aos correligionários.
A ver se me explico.
Um gajo de esquerda tem dificuldade aceitar que o ocidente é melhor que o irão. Vem logo aquela conversa de que a culpa é dos americanos em geral e do embargo em particular e por aih.
Entretanto, justificar que uns tipos gastem tempo e dinheiro a põr etiquetas em fotos nas revistas e jornais dos outros é ainda mais dificil. A não ser que... o pessoal de esquerda ache muito bem porque é uma forma de combater o desemprego; bem vistas as coisas, deve ser preciso um batalhão de funcionários para escolher os pacotes vindos do estrangeiro, abrir esses pacotes, inspecionar conteúdos, aqui e ali ter de ir à casinha resolver uma urgência causada por imagens de mulheres a mais e mulheres reais a menos, colar etiquetas, voltar e fechar os pacotes e ir entregar tudo outra vez aos correios.
“…..decidiu dar uma boa ideia aos correligionários.”
ResponderEliminarPaulo Porto,
Realmente, o combate ao desemprego poderia ter sido o motivo, mas desta vez não fui tão maquiavélico, ou simplesmente não me lembrei…
Não, o que me fez traduzir este artigo – e você também realça este, a meu ver, importante detalhe – é bem mais comezinho: foi imaginar os estudantes de teologia persas com as faces muito vermelhas que, entre duas fotos, se deslocam discretamente à casinha para esfolar o galho à pala de 20 centímetros de coxa da Maria Sharapova.
Mas também o facto dos Ayatollas não confiarem totalmente no poder divino que tanto apregoam, que segundo eles é ‘akbar’, é grande. Mas não tão grande que resista a mais de três meses de exposição a fotografias em jornais ocidentais! Por isso é que os estudantes são substituídos cada 3 meses.
Agora, imagine-se as cunhas e os pedidos necessários para arranjar um emprego deste tipo para as próximas férias de verão – em Teerão…