11 fevereiro 2013

Courbet e a censura islâmica




Segundo peritos franceses de arte o pintor realista Gustave Courbet cortou a cabeça à sua famosa pintura de 1866, L’origine du monde. A pintura, em que se vê um torso de mulher nua, teve inicialmente uma cabeça que um coleccionador anónimo comprou há três anos num antiquário por 1400 euros. A Wikipédia portuguesa refere ainda que “a pintura foi feita a pedido do diplomata turco otomano Khalil-Bey, que solicitou ao pintor uma imagem que retratasse o nu feminino na sua forma mais crua, por ser coleccionador de imagens eróticas.”



Porque razão censurei a pintura?

Para demonstrar o que vai acontecer à fotografia no meu jornal (NRC), quando o correspondente holandês do mesmo receber um exemplar em Teerão. Num delicioso artigo de Setembro de 2012, Thomas Erdbrink, aborda este assunto: a censura de jornais e revistas pelo regime da República Islâmica do Irão:





No papel celofane em que o jornal está embrulhado não se nota nada. Trata-se do NRC do qual sou correspondente em Teerão. Apenas correio da Holanda que aparentemente não foi aberto. Mas nas páginas interiores – sobretudo na secção de arte – nota-se que os funcionários persas espiolharam o jornal. Uma fotografia de uma bailarina tem uma etiqueta azul colada em cima. Noutra fotografia, feita numa praia a anunciar o verão, todos os biquínis foram tapados com etiquetas…




A seguir dobram o jornal bem dobradinho, enfiam-no de novo no saco de celofane e é-me enviado – com atraso. Mais tarde apercebi-me que os anúncios nas revistas Newsweek e The National Geographic (à venda no quiosque da esquina) também são tapados com etiquetas para evitar que os persas (e a minha pessoa) sejam demasiadamente confrontados com os anúncios carregados de sexo do perverso Ocidente.

A ideia por trás desta censura é simples. O islamismo de estado do Irão prescreve que o cidadão deve ser protegido contra si mesmo. Os líderes eclesiásticos julgam que o indivíduo é permeável à corrupção, por conseguinte, o Estado, como um pai tirano, deve controlar o comando da TV, os sites da internet, a roupa que se usa e o que bebe o seu rebanho.

Os homens que por cá são quem manda e acham que uma perfeita sociedade islâmica é realizável. E não é por acaso que são normalmente engenheiros ou teólogos de formação. A engenharia social começa sobretudo com proibições. Uma vez por outra vemos agentes da polícia subir a telhados para atirar com as parabólicas ilegais para a rua. Mas todos os anos a minha lindíssima cunhada chega a casa zangadíssima porque a polícia de costumes a prendeu - tinha o  obrigatório casaco-comprido demasiadamente curto.

Enviei este artigo com ajuda de software especial, porque o Gmail, assim como milhões de websites, foi bloqueado: uma medida oficial das autoridades persas contra a Google, por terem difundido o recente filme contra o profeta Maomé.

Big brother is watching you, mesmo quem lê o NRC, era a mensagem que os funcionários que colam as etiquetas queriam fazer passar. Apesar de nunca ter conseguido falar com algum deles, ouvi dizer que este trabalho é sobretudo realizado por estudantes de teologia que vasculham montanhas de correio reunidos em enormes salas. Disseram-me também que os estudantes não podem fazer este trabalho mais do que três meses seguidos, de outra forma poderiam eles próprios ser “corrompidos”.

2 comentários:

  1. CdR,
    Eu acho que vc, sendo um gajo de esquerda, decidiu dar uma boa ideia aos correligionários.

    A ver se me explico.

    Um gajo de esquerda tem dificuldade aceitar que o ocidente é melhor que o irão. Vem logo aquela conversa de que a culpa é dos americanos em geral e do embargo em particular e por aih.
    Entretanto, justificar que uns tipos gastem tempo e dinheiro a põr etiquetas em fotos nas revistas e jornais dos outros é ainda mais dificil. A não ser que... o pessoal de esquerda ache muito bem porque é uma forma de combater o desemprego; bem vistas as coisas, deve ser preciso um batalhão de funcionários para escolher os pacotes vindos do estrangeiro, abrir esses pacotes, inspecionar conteúdos, aqui e ali ter de ir à casinha resolver uma urgência causada por imagens de mulheres a mais e mulheres reais a menos, colar etiquetas, voltar e fechar os pacotes e ir entregar tudo outra vez aos correios.

    ResponderEliminar
  2. “…..decidiu dar uma boa ideia aos correligionários.”

    Paulo Porto,

    Realmente, o combate ao desemprego poderia ter sido o motivo, mas desta vez não fui tão maquiavélico, ou simplesmente não me lembrei…

    Não, o que me fez traduzir este artigo – e você também realça este, a meu ver, importante detalhe – é bem mais comezinho: foi imaginar os estudantes de teologia persas com as faces muito vermelhas que, entre duas fotos, se deslocam discretamente à casinha para esfolar o galho à pala de 20 centímetros de coxa da Maria Sharapova.

    Mas também o facto dos Ayatollas não confiarem totalmente no poder divino que tanto apregoam, que segundo eles é ‘akbar’, é grande. Mas não tão grande que resista a mais de três meses de exposição a fotografias em jornais ocidentais! Por isso é que os estudantes são substituídos cada 3 meses.

    Agora, imagine-se as cunhas e os pedidos necessários para arranjar um emprego deste tipo para as próximas férias de verão – em Teerão…

    ResponderEliminar