24 novembro 2013

O que é preciso é aconselhar a malta...


Recebi de Portugal através de e-mail esta pergunta retórica acompanhada das fotografias de 18 gestores portugueses com os respectivos salários:

Haverá algum país, no mundo, em que 18 "gestores" ganhem tanto como 58.688 funcionários públicos?



Não percebo muito bem como a partir destes dados se chega a 58 mil funcionários? Seja! A ideia da mensagem é chamar a atenção para a enorme diferença salarial que existe em Portugal, o que parece ser verdade segundo estudos da Eurostaat com base no coeficiente de Gini.

Voltando à pergunta inicial: 

Haverá algum país, no mundo, em que 18 "gestores" ganhem tanto como….?

Na Europa há apenas alguns países com uma maior desigualdade salarial do que Portugal, como por exemplo a Letónia, Bulgária, Espanha, Grécia e certamente a Turquia. A diferença norte-sul da Europa - é preciso abrir uma excepção para a Eslovénia – também se confirma neste aspecto e as sociedades mais igualitárias, como de costume, encontram-se a norte. Isto parece provar que quanto mais repartida a riqueza estiver, mais rico é o país.

De qualquer forma, não se pode extrapolar a nível mundial, porque a Europa é de longe o continente mais igualitário, e, nesse caso, mesmo Portugal passaria quase por um país socialista quando comparado com o Brasil ou as Américas. Sim, mesmo comparado com o EUA. Que fará com a China, onde já existem mais milionários no seu parlamento do que no senado americano. O mesmo em relação à máfia russa à volta de Vladimir Putin, para quem ter muito dinheiro (não interessa como) é uma virtude nacional, que a Igreja Ortodoxa em troca de favores se encarrega de promover a virtude divina.

Crime de lesa pátria

Se ao menos os nossos gestores fossem competentes, já não estaria aqui quem falou (escreveu), esqueceria voluntariamente os chorudos salários e o compadrio e agradeceria a boa gestão. Mas a situação económica do país, que já vem de longe, é a prova dos nove da incompetência da maioria dos nossos bem pagos gestores. Assim, o grau de imoralidade destas remunerações começa perigosamente a atingir o ponto de crime de lesa pátria – se já não foi ultrapassado…

E a nossa elite intelectual (salvo raras excepções) também não ajuda. Em vez de colocar o dedo na ferida (interna) e passar à frente, utilizando a sua imaginação e criatividade para formular soluções concretas, aponta o dedo para fora, alimentando teorias conspiratórias onde o culpado, como por acaso, é sempre o outro. E nisto dá preferência ao alemão, porque constrói os automóveis que os nossos gestores normalmente possuem e que a elite cultural gostaria de obter através de algum subsídio, ou seja, sem as chatices inerentes à gestão de uma empresa.

Mas a atitude da maioria silenciosa, os tais que ganham uma ínfima parte dos salários dos 18 gestores e que sentem na pele a incompetência e a corrupção destes últimos, também não é melhor. Ultimamente tornou-se um pouco menos silenciosa, já vai espalhando (anonimamente) estes gritos de desespero na internet, mas não há maneira de perceber que para melhorar a sua situação vai ter que demonstrar mais iniciativa. Não adianta rezar a Nossa Senhora! Por muito boa vontade que a Senhora tenha, de economia não percebe patavina. Não adianta cantar a Grândola Vila Morena! Em cada esquina nunca houve um amigo, sempre houve bancos que só emprestam a quem tem.

O que é preciso é aconselhar a malta!

(O que vou aconselhar a seguir é assim o mínimo dos mínimos em desobediência civil. Menos do que isto é preferível meterem-se fortemente nos copos e esquecer o mundo à vossa volta. E nesse caso a Nação agradece que façam um pequeno esforço para beber só produto nacional)

Façam cartazes com as fotografias dos gestores mencionando o respectivo salário e colem-nos no pára-brisas do carro ou na janela principal da casa do energúmeno até ele, por vergonha ou farto de ser incomodado, resolver emigrar para Marrocos. Esta actividade não causa estragos ao erário público, não chateia terceiros com as eternas greves e dá trabalho às tipografias, mas também, caso a cola seja bastante forte, aos instaladores de janelas e de pára-brisas.

10 comentários:

  1. Publiquei no facebook, com a devida citação. Um abraço

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    1. Facebook!

      Os meus amigos brasileiros dizem "qui facibooki é coisa di bicha!". E eu, como não estou no facibooki, não posso seguir a coisa. Vou pensar no assunto.

      Diz-me lá, há gajas boas no Facebook?

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    2. Resmas delas. Cada um encontra aquilo que procura!

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  2. Há, com certeza, mais países do Mundo com esta disparidade. Por exemplo, na “civilizada” Suiça, foi este fim-de-semana lançado um referendo sobre esta questão: Devem os salários dos quadros mais bem pagos das empresas sediadas na Suiça auferirem salários que chegam a atingir 93%
    do salário mínimo nacional?

    O referendo quer limitar o salário máximo a 12 vezes o salário mínimo. Dito de outro modo: não tem a ver (só) com países, mas com o sistema do lucro máximo. É por isso que estamos a atravessar esta crise financeira: os capitalistas querem sempre mais lucro, pois esse é o motor do sistema: o lucro máximo. É por isso que o poder político deve controlar o poder económico e nunca o contrário. Quem não percebe isto...

    RM

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  3. RM,

    O índice de desigualdade salarial na Suíça não é nada de outro mundo. Encontra-se, mais ela menos ela ao nível de Portugal, ao nível Europeu.

    Mas percebo perfeitamente as tuas ASPAS, sugerindo que a Suíça não é um país civilizado. Realmente, um país no centro da Europa que se lembra agora, à pressa, de oficializar o salário mínimo, e apenas por uns míseros 18 euros à hora, não se faz, é de negreiros!!!

    Isto significa que um trabalhador suíço, se trabalhar 42 horas (parece ser o normal por lá), e se os desejos dos sindicatos se concretizarem, vai ganhar a miséria de 3000 euros por mês!

    Compreendo perfeitamente o problema dos trabalhadores suíços, refiro-me naturalmente aos que ganham o salário mínimo, mas prefiro não alargar demasiado a minha opinião sobre pessoas que não fazem parte do meu meio social (para não levar com uma carta-aberta do Carlos Paz no lombo). No entanto, acho que os suíços deveriam ser mais solidários com os seus colegas Holandeses, Franceses e sobretudo Alemães, que são obrigados a viver (sobreviver!) com um salário-mínimo mensal que é precisamente metade do deles…

    Como tu dizes e muito bem, tudo culpa do capitalismo, onde o poder político não controla o poder económico e depois é a crise que se vê – uma rebaldaria! Com esta política capitalista de cada vez mais lucro, ainda vamos ver os trabalhadores suíços a emigrarem para países altamente civilizados como Cuba ou Venezuela. Mas o mais provável é emigrarem para a China, onde o salário mínimo mais alto – há grandes diferenças entre regiões -, em Shenzhen, província colada a Hong Kong, é de 1500 Yuan.

    P.S. Só por curiosidade, és capaz de me dizer quanto é que 1500 Yuan dá em Euros? Só para a gente ter uma ideia… Só para avisar a malta…

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  4. As aspas na palavra "civilizada" têm, obviamente, que ver com o facto da Suiça ser tida como um paradigma civilizacional e não pretende ser mais do que isso. Um trocadilho. Também poderia acrescentar que, apesar do seu grau civilizacional, continua a ser um dos poucos países da Europa onde as mulheres (nalguns cantões) ainda estão impedidas de votar. Quem diria?

    Depois e relativamente à disparidade salarial: sim é verdade, como tu dizes, que em grande parte dos países do Mundo existe uma grande disparidade salarial. Mas, se é assim, qual o espanto que, em Portugal, seja tão grande? Por isso, eu dei o exemplo da Suiça onde, apesar do alto nível de vida, esta questão está na agenda política. Porque será?

    Se calhar a civilizada Suiça (pelo menos, uma parte dos seus habitantes) pensa que, em tempos de crise, há que ter alguma moderação nos ganhos pornográficos de alguns gestores. Uma questão de bom senso e espírito protestante, ou não fosse Genebra a cidade do Calvino...

    Ninguém é contra a existência de ricos. Sou é contra a existência de pobres.
    Portanto, a questão que se põe é sempre a mesma: como é que se justifica que
    4 ou 5% da população detenha mais de metade do produto interno bruto de um
    país? Foi a trabalhar honestamente? Ou seja, um suiço que ganhe 15 euros à hora, é rico relativamente a Portugal, ainda que possa ser pobre relativamente à Suiça. Não se pode comparar maçãs com peras, porque são dois frutos diferentes...

    RM

    continua…….

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  5. No caso português, já sabemos como foi. No caso da Suiça, fia mais fino. Não
    por acaso, o tal país modelo é detentor de um dos mais herméticos sistemas
    bancários mundiais, que o torna o "off-shore" ideal para acumular riqueza
    proveniente das mais obscuras ligações. Por isso, foi poupado na segunda
    guerra mundial, pois interessava aos estados em confronto ter uma "ilha"
    onde pudessem depositar os seus saques. Não por caso, era lá que se
    encontrava grande parte das riquezas e obras de arte expropriadas aos judeus
    e não só, da mesma forma que era (e é) lá que se encontram as grandes
    fortunas dos maiores ditadores do planeta (Mobutu, Kadaffi, Mugabe, Mobarak,
    etc.).

    Já sei que a leitura não é o teu forte (et pour cause), mas, se estiveres interessado na matéria, deixo aqui alguns títulos de obras do suiço Jean Ziegler, sociólogo de renome internacional, ex-deputado na Assembleia Suiça, ex-observador na ONU e consultor da Amnistia Internacional, para te pores ao corrente do estado da "arte".

    Ora aponta lá: "Une Suisse au-dessus de tout soupçon" (1976), "La Suisse
    lave plus blanc" (1990), "Le bonheur d'être suisse" (1994) ou "La Suisse,
    l'or et les morts" (1997). Já tens aí com que te entreter. Depois, não digas
    que não sabias donde vinha o dinheiro e como é que na Suiça se podem pagar
    os tais salários pornográficos aos banqueiros e outros CEO afins...

    Finalmente: vens sempre com os exemplos da China, de Cuba ou da Venezuela,
    como se eu defendesse tais sistemas. Se ainda não deste por isso, o primeiro
    há muito que deixou de ser um país socialista (trata-se da pior forma de
    capitalismo: o capitalismo de estado) e os dois restantes não são propriamente representativos de alguma coisa. Desta vez, esqueceste-te da Coreia do Norte. Estás perder qualidades...

    Lembro ainda que a actual crise económica (o maior "crash" desde 1929), é
    uma consequência da desregularização do sistema bancário mundial, devido à
    falta de supervisão financeira. Ou seja, é uma crise cíclica do capitalismo,
    só que desta vez mais grave. Não sou eu que o digo: é a literatura da
    especialidade, através de vozes tão autorizadas como as de Greenspan
    (ex-governador do FED) e do actual governador Bernanke ou de conceituados
    prémios Nobel como Joseph Stiglitz e Paul Krugman. Também aqui te posso
    sugerir alguns títulos.

    Ora aponta lá: "Globalization and its Discontents" (2002), "Freefall: America, free markets and the sinking of the world economy" (2010), "The Price of Inequality"
    (2012), "The return of Depression Economics and the Crisis of 2008" (2008),
    "End this depression, now!" (2012). Numa perspectiva mais radical, aconselho "The Shock Doctrine" (2008) da Naomi Klein, que também existe em filme com o mesmo titulo.

    Se não estiveres para ler, podes sempre comprar ou fazer o "download" do
    documentário "Inside Job" do Charles Ferguson (2010) que explica bem o que
    se passou em 2008. E não foi na China...

    Para finalizar, que a resposta já vai longa: o que eu penso é que o fracasso
    dos regimes do "socialismo real", não tornou o sistema capitalista num bom
    sistema. Enquanto for assim, as minhas críticas mantêm-se.

    RM

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  6. "As aspas na palavra "civilizada" têm, obviamente, que ver com o facto da Suiça ser tida como um paradigma civilizacional"

    O meu post não fala da Suiça e ninguém se referiu à Suiça. Tu é que sentiste a necessidade premente de falar na Suiça e de COLOCAR aspas. Ora, nesse caso, seria interessante saber, por oposição, quem são afinal os países civilizados?

    "Mas, se é assim, qual o espanto que, em Portugal, seja tão grande [a disparidade]?

    Não me espanta absolutamente nada! Os dados correspondem grosso modo à ideia que já tinha. A diferença entre a Suiça e Portugal é fácil de compreender, o salário-mínimo português mal dá para viver. O da Suiça, mesmo tendo em conta que a vida na Suiça é bastante mais cara, dá perfeitamente. Melhor, não me importava nada que a minha reforma correspondesse ao salário-mínimo da Suiça…. Ou mesmo da Holanda, que é metade. Por isso, se vivesse na Suiça, estava-me nas tintas para os ganhos pornográficos de alguns gestores. Em Portugal a situação é diferente. Os governantes (os gestores privados fazem o que querem, o dinheiro é deles), se acham que devem cortar nos salários, têm moralmente que dar o exemplo. De outra forma o cidadão comum sente-se roubado.

    "Por isso, eu dei o exemplo da Suiça onde, apesar do alto nível de vida, esta questão está na agenda política. Porque será?”

    Porque talvez seja um país civilizado, quem sabe! Há centenas de países com uma clivagem salarial muito maior e a questão NÃO está, nem vai estar tão cedo na agenda política. E o mais engraçado é que tu desses nunca falas. Porque será?

    "Ninguém é contra a existência de ricos. Sou é contra a existência de pobres."

    Mas então porque razão esse teu ênfase em encontrar defeitos nos países onde justamente há menos pobres, nos países mais igualitários?

    "um suiço que ganhe 15 euros à hora, é rico relativamente a Portugal, ainda que possa ser pobre relativamente à Suiça."

    Nem relativamente nem efectivamente podemos ser todos ricos. Isso só no céu, ou na Coreia do Norte (meti-a aqui à pressão só para te fazer o prazer)... Mas eu, que não quero ser rico nem viver na Coreia, com 18 euros à hora casava-me outra vez. Posso ter esse direito?

    "Une Suisse au-dessus de tout soupçon de Jean Ziegler "

    Tenho o livro aqui na estante desde há muitos anos - do tempo em que acreditava em amanhãs que cantam e confundia espírito crítico com espírito auto-destruidor.

    continua.....

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  7. "Finalmente: vens sempre com os exemplos da China, de Cuba ou da Venezuela, como se eu defendesse tais sistemas."

    Podes evitar isso facilmente, mencionando os países ou sistemas que aches mais giros... Ou é segredo?

    Além disso, e isto não é segredo, tu defendes realmente os TAIS sistemas, e de forma clara e explícita: "os capitalistas querem sempre mais lucro, pois esse é o motor do sistema: o lucro máximo. É por isso que o poder político deve controlar o poder económico e nunca o contrário. Quem não percebe isto..."

    Eu isto percebo perfeitamente. E é por isso que também percebo, como já disse há pouco, esse teu ênfase em encontrar defeitos em certos países e não noutros.

    ".....consequência da desregularização do sistema bancário mundial, devido à falta de supervisão financeira. Ou seja, é uma crise cíclica do capitalismo,"

    Tudo muito certo. Dou-te toda a razão que quiseres. Mas que queres que te faça, mesmo em crise é nos países capitalistas que pagam melhor a quem trabalha - e também a quem não trabalha. E eu, como já fui trabalhador pago à hora, sei que as grandes teorias socializantes não foram feitas para melhorar a situação financeira da minha classe.

    “….o fracasso dos regimes do "socialismo real", não tornou o sistema capitalista num bom sistema.”

    O problema é que tu, apesar de tantas leituras, não entendes que o sistema capitalista nem é bom, nem é mau – ao contrário do socialista, que tem obrigatoriamente de ser bom, nem que seja com uma pistola apontada à cabeça. O sistema capitalista apenas quer ganhar dinheiro, e quando a coisa é demais, ou quando há crises, ADAPTA-SE, reforma, melhora qualquer coisa aqui ou ali e…. VIRA MILHO E TOCA O MESMO, ou seja, business as usual….

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