11 novembro 2013

Os escravos esquecidos




Toda a gente conhece a triste história da escravatura praticada pelo ocidente (portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses) e abolida no século dezanove.  Mas a Oriente a escravatura ainda não foi abolida, continua a ser praticada, e é tema tabu.


Sabemos também que foi preciso esperar ainda algum tempo antes que os Civil Rights Act fossem implementados nos EUA em 1964 e o fim do Apartheid em 1990 na África do Sul. Também é verdade que a história da escravatura foi durante muito tempo aqui e ali encoberta, mas actualmente está bem documentada e é publicamente exposta. E ainda bem. Mas só no terrível Ocidente. E só a escravatura relacionada com o Ocidente. A Oriente, a escravatura ainda não foi abolida, continua a ser praticada, e é tema tabu.

É preciso compreender uma vez por todas que a escravatura praticada pelo Ocidente não foi nem é a única. Há especialistas que nos explicam que o tráfico de escravos está dividido em três categorias:

-       interno ou africano
-       oriental ou árabe-muçulmano
-       ocidental ou transatlântico.

Pena que a Unesco sinta uma certa dificuldade em falar dos outros tráficos de escravos e todos os anos recorda apenas o tráfico ocidental ou transatlântico. O único que graças à liberdade de expressão que ainda vai existindo no Ocidente se pode abordar sem grandes chatices nem ferir susceptibilidades. Pelo contrário, uma considerável quantidade de ocidentais adora chafurdar-se num sentimento de auto-flagelação masoquista como se fossem (ainda hoje) directamente responsáveis, como se ainda ontem chicotearam um escravo na roça!

Por falta de ‘masoquismo’, uma história tão trágica não é tão bem conhecida. Há razões corânicas (por parte dos muçulmanos), multiculturais (por parte da ditadura do politicamente correcto) e vergonha (por parte dos africanos) para camuflar 1400 anos de tráfico de escravos africanos para o mundo árabe-muçulmano, assim como o ancestral tráfico interno ou africano, que é anterior à chegada dos portugueses às costas de África e igualmente à expansão muçulmana do século sete.

O historiador Mohammed Ennaji, da universidade de Rabat, diz-nos que o Islão nunca aboliu a escravatura. O Alcorão refere-se várias vezes a escravos sem nunca pôr em causa o seu estatuto: recomenda benevolência no tratamento mas autoriza a prática. O excelente documentário Les Esclaves Oubliés (Os Escravos Esquecidos) demonstra que os traficantes árabes tinham uma ideia muita própria de ‘benevolência’. Ou seja, como de costume a prática está longe da teoria. Também é verdade - vá lá! - que o Alcorão proíbe a escravização de muçulmanos: todos os outros (não-muçulmanos) podem ser nas calmas e a qualquer momento transformados em escravos.

Mas que fazer quando a procura é enorme e o continente africano - grande parte da África subsaariana já tinha sido islamizada - passou a ser praticamente a única reserva de escravos para o mundo árabe-muçulmano? Este dilema vai ser facilmente contornado. E, tal como os cristãos justificavam a escravatura transatlântica com a canónica controvérsia sobre ter ou não ter alma (o que, segundo eles, fazia a diferença entre o homem e o animal), também o Islão forjou teologia adequada para poder fundamentar a escravatura, mesmo a de africanos já convertidos.

Acerca disto o antropólogo senegalês Tidiane N'Diaye afirma: '“é preciso compreender que muito antes dos antropólogos europeus do século XIX terem elaborado as teorias raciais e fantasistas que hoje conhecemos, já no século XIV o mundo árabe tinha consolidado no tempo, e de forma quase irreversível, a inferioridade do homem negro através de eruditos respeitados e bastante ouvidos, como Ibn Khaldoun: “os únicos povos que aceitam a escravatura são os negros, porque vivem num estado de humanidade inferior, perto do animal.”' Note-se que a designação árabe para traficante de escravos é Galab (pastor) - a língua não faz diferença entre o escravo e o gado. Segundo Ibrahima Thioub, é a partir deste momento que a conotação étnica e regional, que existia na língua árabe para designar várias etnias africanas, se vai progressivamente transformar no equivalente de escravo. Ainda hoje no sul da Tunísia dizem ‘abd’ (que significa escravo) para designar um negro africano…

Aos maus tratos e à longa e duríssima travessia do deserto em direcção ao norte, temos ainda que acrescentar um hábito que contribuiu enormemente para o massacre da população africana que teve o azar de cair às mãos de traficantes árabes: a castração. Não sei se a origem se baseia em alguma obscura passagem do Alcorão ou simplesmente se trata de inveja viril, mas o certo é que fazia com que 70 a 80% dos escravos morressem antes de serem utilizados. O que a uma certa altura parece explicar o elevadíssimo preço de eunucos no mercado de escravos. Mas também o facto de falarmos actualmente de afro-americanos e não de afro-árabes: estes foram praticamente extintos, ao contrário dos 70 milhões de descendentes de africanos nas duas Américas.

Numa conferência sobre o Tráfico Interno de Escravos, realizada em Bamako (capital do Mali), Ibrahima Thioub, conta-nos uma anedota bastante significativa. “Para mim, os problemas que expus na conferência não tinham cor nem cheiro e nunca imaginei que fossem tão controversos. Mas do lado dos africanos [o público era constituído de africanos e europeus. cdr] a reacção da sala foi de uma violência que eu não esperava. Honestamente não contava que o tema fosse tão polémico e melindroso. Tive a explicação quando abandonei a sala de conferências: um grande número de africanos abordou-me e disse-me: “sabe, o que você acabou de dizer é verdade, e temos que investigar o assunto, MAS NÃO SE DEVE FALAR NISSO NA PRESENÇA DE BRANCOS."

e continua, 

“Os europeus também me abordaram, mas disseram-me uma coisa diferente: - parabéns, penso exactamente o mesmo que o senhor. Você é muito corajoso em dizer o que disse, mas eu não tenho coragem, porque se o fizer vão acusar-me de racista.” 

9 comentários:

  1. Pois os ocidentais cometeram o pecado da escravidão. Não foram os únicos e actualmente são os orientais (Extremo e Médio Oriente) que continuam a existir na coisa.
    É ler as notícias sobre criadas filipinas e indonésias a servir em famílias árabes, que de vez em quando surgem nos jornais.
    Nem estamos a falar das crianças que são vendidas pelos pais na China, nas Filipinas, Tailândia ou na Índia e que trabalham horas a fio seja em fábricas, seja na indústria do sexo Ou das raptadas para todos esses fins.
    Creio que a ganância e a cupidez em conjunto com a amoralidade fomentam esta praga. Em Portugal saíram recentemente nos jornais notícias sobre portugueses escravizados em Espanha, portugueses escravizados por uma família cigana no norte, e portugueses que foram trabalhar para França e foram tratados como escravos. E isto no ocidente, com escravos que até perceberam a situação, que em alguns casos denunciaram-na e que receberam apoio imediato das autoridades. Agora imagine-se o que vai por esse mundo fora...

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    1. Mortes e escravidão ensombram obras no Qatar para o mundial de 2022

      Este é o título do artigo do Público… ver aqui:

      http://www.publico.pt/mundo/noticia/mortes-e-escravidao-ensombram-obras-no-qatar-para-o-mundial-de-2022-1607141

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  2. Obviamente que na segunda linha em vez de "existir' deve ler-se 'insistir'. A existir, só a tristeza e o repúdio.

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  3. Carmo da Rosa no seu melhor.
    EJSantos

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    1. Vai-se fazendo o que se pode...

      PS Para quando a prometida visita à Holanda?

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  4. Há razões corânicas (por parte dos muçulmanos), multiculturais (por parte da ditadura do politicamente correcto)

    Estranhos aliados. O desdém elitista e o ódio islamista pela liberdade

    Perversa. É a traição cometida para com os nossos amigos e amigas, que desejam viver em liberdade, e se defrontam diariamente, com a pata aterradora do islão.

    VIDEO - Não aconselhável para estômagos delicados.
    http://youtu.be/ylGEFLDwWJg

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  5. Go_dot,

    este vídeo, não aconselhável a estômagos delicados, é o comentário do alfacinha mas com imagens a mexer....

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  6. Precisamente! A intenção era essa. Sublinhar ao vivo e a cores .

    Para quem lê holandês, no DDS hoje, mais um excelente artigo, e uma porrada de comentários sobre o mesmo tema.

    A discussão expandiu-se já para um tema colateral. Pode (deve) o estado, exigir uma contribuição dos indivíduos que recebem assistência social? Um antigo plano do partido liberal, agora aprovado pelo partido trabalhista. Será solidariedade forçada, uma forma de escravatura moderna?
    Escravos do estado.

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  7. O artigo sobre os Escravos Cristãos vem mesmo a propósito… Os Escravos do Estado é colateral, mas interessante, mostra a rápida adaptação da social-democracia aos tempos que correm.

    Go_dot, que tal eu traduzir o primeiro e você o segundo?

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