09 janeiro 2014

Camões, Eusébio, Pessoa



Os meus compatriotas têm tendência para abraçar os seus heróis só depois de mortos – sendo em vida lamentavelmente desprezados: Camões e Pessoa são exemplos flagrantes. Mas não foi o caso de Eusébio.



Não seria que os teus compatriotas abraçam os seus heróis só depois de morrer? Pergunta retórica do meu amigo Hans na caixa de comentário deste post.

Acho que sim.

Os meus compatriotas têm tendência para abraçar os seus heróis só depois de mortos – sendo em vida lamentavelmente desprezados: Camões e Pessoa são exemplos flagrantes. Mas não foi o caso de Eusébio. Sobre este aspecto não podemos esquecer e devemos elogiar a protectora e decente atitude da última direcção do Benfica em relação a Eusébio, sem esta, mais um herói nacional teria provavelmente acabado os seus dias como Mané Garrincha no Brasil. (A ideia de que Mané não foi ajudado no fim da sua vida é posta agora em causa como sendo uma versão dramática mas não verídica. Há quem diga que ele era um caso perdido e que não queria ser ajudado. Ler aqui na Folha de São Paulo).

A razão porque Eusébio não precisou de morrer para ter o reconhecimento que merecia, muito ao contrário de Camões e Pessoa, é fácil de explicar. As obras valorosas de Eusébio eram acompanhadas em directo pela tv ou ao vivo no estádio, tendo efeito imediato. Os poetas não tiveram a mesma cobertura mediática e viviam num país onde muita gente não sabia ler. Essa é talvez a razão porque tiveram que esperar pela morte, para, séculos mais tarde, dela se poderem libertar. Como se pode verificar neste poema de um poeta que só se tornou bastante na berra 300 anos depois de ter falecido.

E também as memórias gloriosas
Daqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império, e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valerosas
Se vão da lei da Morte libertando
Cantando espalharei por toda a parte
Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

Ou este poeta mais recente, que parece ser bem mais realista que o anterior, ou mais conhecedor do seu povo, porque já em vida previa a sua sorte, iniciando desta forma um longo poema depois de ter ido à Tabacaria:

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Etc, etc.

Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,

14 comentários:

  1. hum... essa de adjetivar FP de realista é q me parece um pouco abusivo....... Qt ao resto: de acordo.

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  2. "As obras valorosas de Eusébio eram acompanhadas em directo pela tv ou ao vivo no estádio, tendo efeito imediato. Os poetas não tiveram a mesma cobertura mediática..."
    Imagine que davam a mesma cobertura ao corfbol...

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    1. Korfbal é desporto di bicha! Uma coisa tão chata tão chata, que o melhor é mesmo cobrir tudo, com cobertor para não si ver...

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  3. Ana,

    Só realista no sentido poético, e porque me facilita a vida para provar a (pouca) sorte que teve em Portugal durante a vida:

    Não sou nada.
    Nunca……


    Mas percebo muito bem que o Luís, apesar de não lhe faltar engenho, arte e carradas de vontade, nunca se lembraria de dizer o mesmo - não era o estilo da época…

    Mas tens razão, porque o único verdadeiro realista não era verdadeiramente um poeta, mas sim um pintor amigo do Fernando - Almada Negreiros:

    Oh! Se eu soubesse que o Inferno
    não era como os padres mo diziam:
    uma fornalha de nunca se morrer...
    mas sim um Jardim da Europa
    à beira-mar plantado...
    Eu teria tido certamente mais juízo,
    teria sido até o mártir São Sebastião!
    E inda há quem faça propaganda disto:
    a pátria onde Camões morreu de fome
    e onde todos enchem a barriga de Camões!


    P.S. Reparaste quão politicamente correcto sou? Por respeito não coloquei a parte em que ele descarrila sobre as mulheres…

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    1. n esperava outra coisa de um "amante lusitano"....

      http://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/os-melhores-e-piores-amantes-do-mundo (como é óbvio, o 1º lugar deriva da eterna confusão de que Portugal é uma província espanhola!)

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  4. Ora essa? Então o cdr que esta sempre a bater na igualdade dos sexos.
    Julgava que era um desporto pra-frentex. Pró menino e pra menina.

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  5. igualdade dos sexos.!!!

    Vade retro satanás, as mulheres são superiores, e quando não são, são mais boas - e isso é perfeitamente suficiente...

    E no desporto também não há cá IGUALDADES - o futebol é o desporto rei e coloca-se em primeiro lugar, ficando o segundo e o terceiro lugar vagos. No quarto lugar temos o Ténis. E quem isto não percebe já não tem cura...

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  6. Ouvi à pouco no rádio um comentário que me faz retornar ao seu poste.

    Um jogador do Vitesse de nacionalidade Israelita, não obteve autorização para jogar num dos paradisíacos emirados árabes. Um dos padrinhos ricos do clube, exige desculpas do clube ao jogador. O argumento era, que investem a guita no futebol profissional, porque o futebol é para eles uma espécie de maquina misturadora, que segundo o mesmo senhor, reúne as pessoas, independentemente da raça, credo, etnia ou orientação sexual. Vá lá explicar isso aos islamistas.

    Isto fez-me lembrar, que vindo de uma família de salgueiristas contribuintes; o fc porto, era no meu tempo para as famílias queques das antas. Também eu sempre olhei para o futebol como uma forma de emancipação das classes desfavorecidas, através da livre associação e da prática do desporto.

    Compreendo depois desta conversa, que para o CdR a coisa fia muito mais fino.
    Assistir a um jogo de futebol será para o CdR, o mesmo que para outros é assistir à Missa Solemnis. Eu, que não vou à bola, nem de um nem de outro, apesar de o ouvir regularmente falar da santa bolinha, não me tinha apercebido deste importantíssimo detalhe. As minhas sinceras desculpas.

    É como você diz: Há doenças que não têm cura.

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    1. Veja lá você como está a ser injusto, até deixei de ver a minha Santa Bolinha para justamente escrever um artigo sobre o jogador do Vitesse. Está quase pronto. Mas agora apareceu o Rui Mota com uma encomenda: quer que eu explique, mais uma vez, o que é o FÁXISMO....

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  7. Como dizia a minha avó, quem corre por gosto não se cansa.

    Desperta-me sempre a curiosidade, ouvir novas interpretações líricas dos mesmos factos.

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  8. A minha avó costumava dizer: "onde todos correm o vinho não é caro". E como neste caso é só um a correr, não sobra tempo nenhum para lirismos....

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  9. Essa vai para a minha colecção “Contos da minha minha avó”

    Quando falei em lirismo referia-me literalmente à musica.

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  10. Não ligue! A minha ironia anda pelas ruas da amargura.
    Como na musica. Interpretações modernas de temas antigos, revelam por vezes aspectos inéditos das obras originais.
    Reexaminar, dados históricos, pode também levar a conclusões singulares.

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