07 janeiro 2014

Eusébio e o Estado Novo





De Portugal chamaram-me a atenção para este artigo no Público sobre O Lugar de Eusébio no Estado Novo. Retive dois parágrafos para os comentar.




(…) A construção de um outro tipo de africano, fundada numa distância que permitia as maiores efabulações, só tomou um sentido mais concreto durante a guerra colonial, onde o africano era o inimigo, o "turra".

Precisamente no mesmo período, o “turra”, também era o "homem novo que vinha da mata" das canções do José Afonso, e parece que estamos a falar da mesma pessoa! Uns saíram da mata e continuaram “turras” e outros saíram para serem vítimas da exploração (agora) praticada pelos mesmos “turras” – precisamente como na metrópole…

(…) a carreira extraordinária de Eusébio não belisca a imagem pérfida do sistema colonial português. Tão-pouco deve servir de modelo para descrever, hoje, as relações raciais em Portugal.

Até belisca, porque à custa do futebol Eusébio adquiriu a mobilidade social que merecia, e os portugueses, à custa do Eusébio, além de anos a fio de enorme prazer, adquiriram um pouco mais de respeito por pessoas de cor.

Veja-se o que nos diz um ‘velhote’ do Porto que assina cisteina no primeiro comentário ao artigo do Público:

Isto de querer reescrever a história é perigoso. O que pretende este artigo? Que eu me lembre - e lembro-me bem – não me parece que o Estado Novo tenha feito mais do que qualquer outro Estado, mesmo o que temos agora, para se publicitar. Não temos agora o Cristiano Ronaldo? E não tivemos a Rosa Mota? O Carlos Lopes e outros tantos? Não tivemos o Mário Coluna, o Travassos, a Amália, o Fado, a Inquisição, a escravatura, as guerras coloniais e sei lá quantas coisas mais, boas e más? Eusébio não foi plenamente integrado? E quantos portugueses não continuam, ainda hoje, ostracizados e excluídos por esse Portugal fora: brancos, negros, mestiços e amarelos, todas as raças por onde andámos? Por mim, já velhote, tenho Eusébio como um dos meus, dos melhores. Não sou racista….

August Willemsen, o mais conhecido tradutor de língua portuguesa da Holanda, recordou no seu livro sobre a história do futebol brasileiro este delicioso diálogo ‘racista’ entre dois jogadores negros:

Os brasileiros utilizam a palavra ‘crioulo’ como um popular e carinhoso eufemismo quando se referem a ‘negros’ ou a ‘pretos’. E em especial a Pelé. É que ele, com o seu imenso prestígio, adquirido com o seu talento e a sua personalidade, conseguiu dar à palavra crioulo um estatuto superior – e por analogia à cor da sua pele. Para ele, o sumo do que um negro podia alcançar, era a própria negação da sua cor. Como no caso de Robson, um jogador negro que, depois de atingir o auge da sua carreira, respondia ironicamente a um novato que se queixava de discriminação: ‘Eu sei o que isso é; eu também já fui preto.’


12 comentários:

  1. Se o sistema económico é o mesmo, porque é que os "turras" de hoje, hão-de ser diferentes e deixar de explorar os seus "irmãos" de cor?
    O "cisteina" não percebeu o artigo, pois o que o articulista argumenta é que a ascensão social do Eusébio, foi uma excepção e não a regra do Salazarismo que discriminava os negros. Não tivesse o Eusébio o talento que lhe é reconhecido e não fosse a sua "performance desportiva" (leia-se productividade) uma mais-valia para o sistema e tinha morrido no anonimato. Desta forma, não morreu no anonimato, mas passou ao lado de uma carreira internacional (certamente mais bem paga) devido ao proteccionismo bacoco do ditador que o considerava património português! Ele, que era moçambicano de origem.

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  2. @ Rui Mota: "Se o sistema económico é o mesmo..."

    Mas então, o 'homem-novo' não era o representante de um novo sistema económico em que a ideia era não haver um aproveitamento pérfido (como no tempo de Salazar) da mais-valia?

    É claro que a ascensão de Eusébio é uma excepção, porque ele era EX-CEP-CIO-NAL !!! Se o Cristiano Ronaldo não fosse tão ou mais excepcional, estava hoje na Madeira a cavar batata doce. Ou talvez, como é um rapaz simpático e bem parecido, a servir à mesa num restaurante para turistas. E neste caso quem é a pessoa, regra ou sistema que discrimina o resto dos habitantes da ilha da Madeira?

    Eu acho que o CISTEINA compreendeu perfeitamente o artigo, e também o absolutismo socialista que emana: o querer tudo ou nada. Geralmente é nada…

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  3. The Games

    Roma está a arder, o país arruinado à beira de perder a independência, os meus compatriotas, aparentemente desesperados por acreditar em alguma coisa, remexem em elaborados Candomblés as vísceras do falecido, à procura duma indicação dos Orixás. Serão os Bantos mais racistas que os Tugas? ou serão os Tugas mais racistas que os Germanos?
    Não!... Não é o Germano, é os Germanos.

    Eu sei que isto é como chover no molhado, mas vá lá por amor à camisola.

    O espectáculo futebol, mais a respectiva propaganda futebolística que o sustenta, é a varinha mágica que preenche o vazio da realidade. Noticiários, cadeias de televisão, três jornais diários debatem exaustivamente: a alquimia do golo, o hermetismo do “penalty”, o milagre da bola à trave, a profundidade espiritual do corner.

    Em suma, quando o pessoal acordar dos contos de fadas do futebol, para a realidade da perversão e incompetência generalizada a que chegamos, parece-me que a avaliação mais justa seria: temos o que merecemos.

    Mais um campeonato mais uma viagem! comprem meninas comprem! ...

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  4. Carmo da Rosa:

    Não houve "homem novo", como todos sabemos, por isso é o mesmo sistema. Se o Cisteina tivesse percebido o artigo, não confundia negros com o sistema. Uma pecha de muito boa gente.

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  5. @ Go_dot: (…) alquimia do golo, o hermetismo do “penalty”, o milagre da bola à trave, a profundidade espiritual do corner.

    Mas, como dizia o poeta, há sempre uns maluquinhos que resistem, uns maluquinhos que dizem não…. E até conseguem ver a bola de vários ângulo, o que é bastante difícil, porque, como sabemos a partir de Galileu, uma esfera não tem ângulos. Enfim, nesta pobreza métrica, cantemos a bola, a bola quilométrica que dá a ideia vaga dos colhões do Arcebispo de Braga…

    @ Rui Mota: Não houve "homem novo", como todos sabemos,

    Sabemos agora. Mas infelizmente, há ainda muita boa gente que continua a acreditar NO e a cantar O “homem-novo” e a exaltar o tal sistema críptico e milagroso que tu não te atreves a dizer qual é…

    Quem confunde negros com sistemas (seja ele qual for!) és tu, quando dizes “que a ascensão social do Eusébio, foi uma excepção e não a regra do Salazarismo que discriminava os negros.”

    Uma excepção e não a regra!!!

    Conheces algum sistema ou regime, em que a regra seja discriminar os excepcionais e enaltecer o resto do maralhal ?

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  6. Carmo da Rosa:
    Se tivesses lido (e compreendido) o artigo do Nuno Domingos (que citas), percebias o que eu queria dizer. Como só lês comentários ao artigo e só citas o do Cisteina, que por acaso não percebeu nada do que leu, trocas pretos por socialismo. Se queres discutir honestamente o tema, tens de ir à fonte ("O lugar de Eusébio no Estado Novo", Domingos, Nuno, in "Público", de 7 junho 2014, pg. 10 e 11) e, depois, deves opinar.
    Eu não tenho de opinar sobre nenhum sistema futuro (não tenho bola de cristal), mas posso opinar sobre História, que é uma disciplina académica que investiga e analisa o passado. O autor, por acaso investigador nesta área no ICS-UL, escreveu um óptimo ensaio sobre o tema da miscigenação, pedra angular do sistema racista e colonialista do Estado Novo e sobre o aproveitamento de um futebolista de eleição para propagandear os méritos da assimilação. Tu estás a falar-me de socialismo! O que é que a ideologia do Salazar tem a ver com isso? Pareces o Cisteina de Amsterdão...

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  7. Rui Mota,

    normalmente acusas-me de não ler livros, agora já só leio comentários, a seguir vais dizer que não sei ler... (wie voor een dubbeltje geboren is, er zit niets anders op, moet wachten op de proletarische revolutie).

    É evidente que li o artigo e, como manda a ética, coloquei um link. Só depois de o ler é que cheguei aos comentários.

    E porque razão não começas tu por responder aos meus pontos de interrogação? Contei-os e já são três!!!

    Ó inclemência, ó martírio,

    O homem ainda está quente no caixão e os nossos intelectuais não conseguem ver mais longe do que a estafada conversa sobre “o sistema racista e colonialista do Estado Novo.” A falta de humor e de ‘esprit’ é de bradar aos céus. Tenho que me arrepender de aos 13 anos ter um poster no quarto com o Eusébio; de querer ser o Eusébio... Se calhar vou ter que me confessar – mas a quem? - porque há certamente algo remotamente racista no meu comportamento quando criança!

    Se bem compreendi, o Estado Novo, se quisesse realmente ser BOM aos teus olhos e aos do autor do artigo, deveria ter impedido na altura a vinda de Eusébio para o Benfica. Tal como a federação brasileira de futebol, que até 1958 tentava manter a selecção mais branca possível. Não foi possível.

    Pelé, Garrincha, Zizinho e Nilton Santos eram demasiado excepcionais, e como o futebol começou nessa altura a profissionalizar-se, a capitalizar-se, o elitismo (branco) foi gradualmente substituído por um critério de escolha baseado no aproveitamento de excepcionais qualidades – fosse o bacano branco, preto ou azul às riscas. Ganhar tornou-se de repente importante, porque perder, significava perder dinheiro…

    O capitalismo está na origem da expansão do futebol. Sem capital o Benfica não poderia ter comprado o Eusébio. Sem Eusébio o Benfica não teria ganho a taça da Europa, nem a selecção portuguesa em 1966 teria metido 5 golos na cueca dos possessos de Kim Il Sung…

    Mas o Eusébio tem razão: “o futebol actual está contaminado pelo comércio.”. É preciso fazer alguma coisa, há capitalismo a mais…

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  8. Carmo da Rosa,

    Não confundas alhos com bugalhos. A opinião que interessa aqui, não é a minha. É a do historiador que explica (bem) que o sucesso do Eusébio não é representativo da forma como o regime tratava os negros em África.
    Cito: "Explicada pela conjugação única entre a profissionalização do futebol e a procura de talentos, a força da cultura popular mediática e um regime que necessitava de defender por todas as formas o mito do pluriracialismo lusófono, a carreira extraordinária de Eusébio não belisca a imagem pérfida do sistema colonial português. Tão pouco deve servir de modelo para descrever, hoje, as relações raciais em Portugal".
    É ele que o diz. Não sou eu. Eu estou de acordo com a opinião do historiador. Ninguém te chamou racista. Eu também gosto do Eusébio. Não confundamos a qualidade do jogador (reconhecida mundialmente) com a natureza do regime que era racista e que apenas se aproveitou do Eusébio. São duas coisas diametralmente diferentes. O mesmo, relativamente à Amália. Ela era uma cantora de excepção, mas o regime aproveitou-se dela. Isto não faz do Eusébio ou da Amália más pessoas, nem do regime um bom regime. Eles eram bons e o regime era mau. É assim tão difícil de compreender?

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  9. Rui Mota,

    Nas ciências sociais (a tua disciplina e a do outro), tudo se confunde, pouco se cria, tudo se transforma, e é precisamente esse o problema dos intelectuais de esquerda no nosso país. Transformam muito pouco porque não conseguem libertar-se do jugo da cassete marxista, o que dá origem a que todos os motivos sejam bons – até a morte do Eusébio - para derramar a falta de humor e o azedume ideológico.

    Isto é apenas a minha opinião, como a tua e a do historiador…

    “Não confundamos a qualidade do jogador (reconhecida mundialmente) com a natureza do regime”

    Mesmo que quisesse, é muito difícil confundir “qualidade do” com “natureza de”!!! Mas vou pensar no assunto, como desafio intelectual…

    “O mesmo, relativamente à Amália. Ela era uma cantora de excepção, mas o regime aproveitou-se dela.”

    Nunca pensaste na hipótese de um aproveitamento mútuo?

    “Eles eram bons e o regime era mau. É assim tão difícil de compreender?”

    Assim exposto, de forma tão simples e com o charme redutor de um velho Western, é impossível não compreender…

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  10. Sim, a Amália (dizem) também se aproveitou do regime. Mas, não necessitava, pois era sobejamente reconhecida no estrangeiro. Mais: o fado tem 200 anos e o regime fascista só teve 48...

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  11. Eu não acredito que a Amália se tenha aproveitado do regime. A Amália fez simplesmente aquilo que sabia fazer, cantar o fado e fez muito bem. Entre não ter opinião e ter uma opinião muito pior, não sei o que seria melhor.

    Precisamente, o fado tem 200 anos e o regime serviu-se do existente. Não fazia sentido servir-se de patinagem no gelo para enaltecer o regime! Mas chamar fascista ao regime de Salazar é, na minha opinião, inflacionar a palavra...

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  12. Se tu, que fugiste para a Holanda por causa da guerra colonial, ainda hoje não sabes que o regime, pelo qual te exilaste, era fascista, então não percebeste nada do que se passou na tua vida. I rest my case.

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