16 setembro 2014

Poesia mais forte que Viagra



Um povo que produz gente crítica, prova que ainda é intelectualmente saudável e que existe a possibilidade latente de dar a volta ao barco. É o caso de Portugal.





Teria o mesmo sentimento - se a minha auto-estima-lusitana estivesse igualmente por baixo e se precisamente o mesmo texto tivesse sido escrito por um estrangeiro. O que é totalmente irracional (não deveria fazer diferença, a mensagem é que conta), mas que queres, também não fui eu que me fiz e estou cheio de defeitos de fabrico.

Mas quando uso a caixa dos pirolitos em vez dos sentimentos, chego rapidamente à conclusão que um povo que produz gente crítica, prova que ainda é intelectualmente saudável e que existe a possibilidade latente de dar a volta ao barco. É o caso de Portugal. Os povos que produzem o maior número de críticos são os que vivem melhor. Os outros também produzem dissidentes, mas os poucos que geram prendem-nos, ou matam-nos, ou eles exilam-se... e continuam a viver mal.   

É a mesma diferença que existe entre pais que bajulam os filhos e para quem os meninos são quase santos, e os outros, os justos, os realistas, que são mais críticos em relação aos seus descendentes do que em relação aos dos outros.

Os primeiros produzem adultos mimados e socialmente inaptos (porque serão mais tarde confrontados com a dura realidade: pai há só um), ou ditadores.  Os segundos vão seguramente produzir filhos mais realistas e mais preparados para viver numa sociedade onde nem todos estão para aturar e aplaudir constantemente as nossas maluqueiras – como normalmente o nosso avô e a nossa avó.

Uma dica qui dou di graça (como diz o Caetano Veloso):

Quando a minha auto-estima-lusitana corre o risco de se afundar, e isso por vezes acontece, coloco no meu gira-discos um LP do João Villaret declamando ao vivo no São Luís, mas agora em minha casa em Amesterdão-leste. E quando a agulha chega ao Mostrengo, levanto o volume e ponho-me de pé, em sentido. Garanto que é muito melhor que Viagra.

O Mostrengo – Fernando Pessoa – 1934.

O mostrengo que está no fim do mar
Na noite de breu ergueu-se a voar;
A roda da nau voou três vezes,

Voou três vezes a chiar,
E disse: «Quem é que ousou entrar

Nas minhas cavernas que não desvendo,
Meus tectos negros do fim do mundo?»
E o homem do leme disse, tremendo:
«El-Rei D. João Segundo!»

«De quem são as velas onde me roço?
De quem as quilhas que vejo e ouço?»
Disse o mostrengo, e rodou três vezes,
Três vezes rodou imundo e grosso.
«Quem vem poder o que só eu posso,
Que moro onde nunca ninguém me visse
E escorro os medos do mar sem fundo?»
E o homem do leme tremeu, e disse:
«El-Rei D. João Segundo!»

Três vezes do leme as mãos ergueu,
Três vezes ao leme as reprendeu,
E disse no fim de tremer três vezes:
«Aqui ao leme sou mais do que eu:
Sou um povo que quer o mar que é teu;
E mais que o mostrengo, que a minha alma teme
E roda nas trevas do fim do mundo,
Manda a vontade que me ata ao leme,
D'El-Rei D. João Segundo!»

E para quem quiser ouvir o João Villaret ao vivo: aqui.

9 comentários:

  1. Eu amo Portugal e isso não é nacionalismo parolo. Amo-o de verdade, mas tal não me impede de ver os seus defeitos. Dói-me ver uma série de coisas que estão mal, sobretudo porque até têm remédio, assim houvesse coragem por parte de governantes e governados, o pior é que neste momento parece que os primeiros só estão ali para se governarem. E também me orgulho de ver outra série coisas que me fazem afirmar a minha nacionalidade. Sobretudo quando vemos o país à distância, vemos melhor o que está bem e o que está mal. Até porque vivemos em duas culturas e podemos escolher o melhor de dois mundos, uma vantagem enorme se a considerarmos assim.O MST pode ser crítico, mas nunca duvidei que a sua crítica é construtiva, ele indica muito do que está mal para, por uma vez, os portugueses reflectirem (um grande problema dos portugueses é exactamente esse, ah, e fazerem planos a longo prazo). Ele não vê o país à distância como eu, mas ele viaja muito e as viagens sempre foram uma fonte enorrme de instrução e educação para quem as faz com curiosidade.
    Acho muita boa a tua comparação Carmo da Rosa. Podemos amar intensamente sem ser cegos, nem acéfalos.

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    1. Eu nem sei muito bem porque gosto - amar só a minha mulher, porque houve uma escolha - de Portugal... Talvez porque vivi no país na fase mais importante da vida de um indivíduo, dos 9 aos 18 anos.

      Na fase em que nos desligamos dos pais e aprendemos: a dizer palavrões (no Porto esta é a parte mais fácil); a tocar à sebastiana; a trepar às árvores; a roubar fruta; a fazer uma fisga, a cantar as Janeiras; a jogar aos matrecos; a espreitar o sexo oposto (para depois poder tocar à sebastiana); a ir à Maria do Barrote (para não tocar sempre à sebastiana) etc, etc.

      Tudo actividades que no futuro vão ter um grande impacto na nossa personalidade, ao ponto de inconscientemente imaginarmos que toda esta aprendizagem só poderia ter sido realizada num local, numa língua, num país. Colocado noutro país, tudo seria diferente. Aqui reside a essência da nacionalidade...

      É verdade que à distância vemos o país melhor, porque a distância geográfica oferece inconscientemente uma distância intelectual. Em contrapartida, a distância também provoca um fenómeno contrário: romantizar a pátria. O Manuel de Falla disse que compôs Noches en Los Jardines de España, porque do seu exílio de Paris, os via mais bonitos do que eram na realidade.

      Qual comparação? Entre governantes/dissidentes versus pais/filhos ?

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  2. Perdão, um dos problemas dos portugueses é NÃO fazerem planos a longo prazo. Parece que o último foi el-rei D. Dinis que mandou semear o pinhal de Leiria a fim de mais tarde se construírem as caravelas que trariam a pimenta da Índia e o ouro do Brasil. Como os portugueses nunca planearam a longo prazo, esbanjaram a massa em conventos, procissões e coisas afins.

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  3. É isso. São os afectos, os cheiros, a aprendizagem da vida, as cores, os sabores, a melodia da língua. Tudo isso vai definir-nos mais tarde. Embora aqui também tenha afectos, as minhas memórias mais antigas estão ligadas ao país onde nasci e cresci.
    E sim, muita gente idealiza, mas nunca se volta ao que se deixou. É ingenuidade pensar de outra maneira.

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  4. A comparação pais/filhos, naturalmente.

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  5. uma prenda que está a ser bloqueada para que não vejam a floresta ao inves da arvore que insistem em colocar a sua frente
    https://www.youtube.com/watch?v=5hfEBupAeo4&feature=youtu.be

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  6. All Wars Are Bankers' Wars!

    Of course, even the Hundred Years War, between de French and the English. Why?

    Because Jeanne d’Arc, at that time governor of the Royal Bank of France, devaluate the pound on advantage of French bankers. The English went mad, and despite the fact that she was only nineteen years old and ‘boa como milho’, they burned her alive, the mother fuckers...

    But twenty-five years after the execution, the Vatican, who wanted her as Chief Executive Officer of the Banco Ambrosiano, declared her a martyr, and she was beatified in 1909 and canonized in 1920. A little too late, if I may say so…

    But why the maker of the video - Streetwarrior proposes on his obscure comment - knows so little about history? At first because he is a moron who speaks through the nose, but also because he thinks that the all world has only 200 years and is limited to the USA....

    And our Portuguese Streetwarrior, who by the way is a nice guy, but, as nobody is perfect, he has a special preference for morons telling conspiracy theories – he loves it….

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  7. Sr Carmo da Rosa.
    Quer tornar-se membro efectivo do supremo kalifado
    Em relação a um muçulmano, um supra-muçulmano testemunha o mesmo, mais, melhor e a verdade.
    Se os lusos deram meia-volta ao mundo para enrabicharem os maometas por trás, na grande batalha de Diu, algo igual ou maior pode ser feito hoje com a arma da palavra da verdade.
    A qual é mais poderosa do que todo o dinheiro e armas que haja.
    Se os lusos são da terra da Luz, luzitânia, está na hora de iluminarem o mundo com a força e poder da palavra da verdade.
    E o que pode ser a palavra da verdade?
    Pode ser a que permite viver e conviver com igualdades, diferenças, contradições certezas, incertezas, dúvidas, polémicas, variedade, diversidade e tudo o mais que permita e sustente a vivência e convivência.
    O divino, a natureza ou seja lá o que dor, criou o mundo com tudo isso e, com tudo isso criou vida.
    Fique bem,
    kS

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  8. Senhor Anónimo,

    não, não quero ser membro de nenhum califado. Aliás, como ateu isso é tecnicamente impossível. E a única coisa que desejo aos lusos é saúde e que a equipe das quinas se qualifique para o Campeonato Europeu de Futebol em França….

    Fique também bem.

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