05 dezembro 2015

VENEZUELA: a anarquia socialista




O jornalista holandês Bart Schut permaneceu durante 5 semanas na Venezuela onde terão lugar eleições decisivas no Domingo dia 6 de Dezembro. Ele conta-nos muito simplesmente como é que um país com as maiores reservas de petróleo do mundo se transforma em meia dúzia de anos numa economia falida.



Bart Schut

Na Venezuela já nem o basebol, nem mesmo o trânsito - as bichas em Caracas são lendárias - são assunto de conversa entre os venezuelanos. Só dois temas dominam o dia-a-dia: violência e economia. E pela primeira vez este ano o último tema ganha à omnipresente e desenfreada criminalidade que reina no país. A escassez e hiperinflação tornaram-se tão graves que vão ser os temas mais importantes das eleições legislativas de Domingo, e não a total impunidade legal que assola o país à mais de uma década.

Escassez

A lista de produtos difíceis de obter aumenta cada mês: leite, farinha (para fazer 'arepas', a especialidade nacional), ovos, café, comida para bebés, água mineral. Na secção non-food ainda é pior: fraldas, tampões e pensos higiénicos, desodorizante, até mesmo sabonete e champô é quase impossível encontrar. E também papel higiénico, o assunto que dá origem à enorme quantidade de anedotas no país. E quando se consegue arranjar um destes produtos, trata-se frequentemente de marcas importadas a preços proibitivos, fora do alcance da maioria dos venezuelanos.

Pura fantasia

Oficialmente o venezuelano recebe um salário mínimo decente de 10.000 Bolívares. Ao câmbio oficial isto representa 1500 euros, um salário que até mesmo a maioria dos países ocidentais se orgulharia. Mas aqui a porca torce o rabo: a taxa de câmbio do Bolívar só existe no papel e na imaginação dos dirigentes socialistas em Caracas. Para obter o câmbio real é preciso consultar a website dolartoday.com e no momento em que isto foi escrito encontrava-se a 968,88 Bs. para 1 €. Mas eu não sei quando é que o leitor vai ler este artigo, e com a rápida desvalorização do Bolívar pode acontecer que no momento da leitura já tenha atingido os 1000 Bs por Euro. O que facilita consideravelmente o cálculo do câmbio: e então o salário mínimo na Venezuela corresponde a 10 euros.

Para terem uma ideia, um pacote de 400 gr de esparguete importado custa 900 bs. Quem comprar 10 pacotes esgota o seu salário mensal. Um polícia, muitos professores e até mesmo médicos, não ganham mais do que este salário. O que faz aumentar as dificuldades das classes mais desfavorecidas e até mesmo da classe média.

Culaques (termo russo para agricultores relativamente prósperos)

A escassez é uma ferida auto-infligida dos socialistas. Tal como na União Soviética nos anos 20 e no Zimbabué dos anos 90 do século passado, os agricultores foram expulsos das suas terras por razões ideológicas. A distribuição da terra pelos pobres funciona perfeitamente num romance de Steinbeck, mas na prática é um desastre. Na Ucrânia, que antes da revolução russa era o celeiro da Europa, a fome rebentou depois da expropriação dos culaques, e o Zimbabué passou de exportador a um país falido depois de que Robert Mugabe expulsou os agricultores brancos das suas terras. Foi precisamente o que aconteceu na Venezuela depois das expropriações em grande escala que tiveram lugar na primeira década deste século.

Os novos proprietários não eram produtivos e os antigos, que não foram expulsos, foram confrontados com preços estabelecidos pelo Estado que rapidamente se situavam abaixo do custo de produção, o que obrigou os agricultores a abandonar a terra e a procurar a sua sorte nas cidades. Consequência: a Venezuela já quase não produz alimentos. Até mesmo produtos que tradicionalmente eram exportados para o mundo inteiro, como café, cacau e açúcar, têm agora que ser importados em troca de dólares caríssimos. Para evitar que os venezuelanos morram de fome o governo encarrega-se desta tarefa. Importar e subsidiar a alimentação com petrodólares para depois vender com um enorme prejuízo para os cofres do Estado. Até há uns anos atrás isto era possível com o preço do barril de petróleo à volta dos 100 dólares, o governo de Hugo Chávez tinha divisas estrangeiras suficientes para abastecer os supermercados e manter a população satisfeita.

A Oceânia de Orwell

Agora que o preço do barril de petróleo está abaixo dos 40 dólares e as reservas do Estado em divisas estão esgotadas, a escolha é pedir emprestado ou aceitar a escassez. Os socialistas escolheram as duas opções, de forma que a dívida do Estado aumenta rapidamente e as prateleiras estão cada vez mais vazias. Uma ida ao supermercado na Venezuela é um cruzamento entre a DDR dos anos 80 e a Oceânia do George Orwell. Logo que corre o rumor que um supermercado recebeu um produto subsidiado, por exemplo leite, imediatamente se forma uma enorme bicha à entrada. Pode durar horas antes do comprador entrar no supermercado, e ainda vai ter que ir para outra bicha para receber o produto. É claro que existe o risco do último pacote de leite ter sido vendido antes de chegar a sua vez e o seu esforço e paciência ter sido em vão.

Para evitar o açambarcamento o governo criou certas medidas. O cliente só pode comprar uma quantidade limitada 'a precio justo', por exemplo dois pacotes de leite de litro. Mas isto não chega, o Estado tenta também evitar que o cliente compre mais do que uma vez por semana produtos subsidiados. E então o venezuelano só pode fazer compras no dia que corresponde ao último número da sua cédula. Mas mesmo assim não é suficiente, uma pessoa pode percorrer vários supermercados num dia. Por isso é que o consumidor é obrigado a escanear os dois polegares a cada compra. Se no mesmo dia tentar comprar mais leite, a caixa do próximo supermercado recebe um sinal que a transacção não é autorizada. Mas além disso os venezuelanos mais críticos acham que não é esta a única razão para escanear os polegares. Muitos estão convencidos que as autoridades querem controlar a população através das compras. E há algo de verdade nisto, porque mesmo quando não temos produtos subsidiados no cesto de compras, temos que escanear os polegares. Até mesmo estrangeiros, que não têm cédula e não podem comprar esses produtos, são obrigados a colocar os polegares no scanner.

Teimosia

Dependente de como se calcula, a inflação no ano corrente pode atingir os 800% e nada indica que em 2016 melhore. Sobretudo porque também o governo socialista se recusa persistentemente a aceitar a existência de um problema. Respeita teimosamente o câmbio oficial. Depois da última desvalorização o Bolívar foi abreviado de forma optimista em Bs.F. - o F significa 'fuerte'. Mas deixaram de publicar dados sobre a inflação, na realidade o governo 'bolivariano' comporta-se como uma criança que tem medo de monstros no escuro do seu quarto de dormir: cabeça debaixo dos lençóis, porque 'se eu não os vejo eles também não me vêem'.

Entretanto os dirigentes revolucionários roubam a restante riqueza do país. Segundo a organização de combate à corrupção Transparency International, a Venezuela é o país mais corrupto da América Latina e um dos quinze mais corruptos do mundo. Segundo o jornal Diário de las Américas, publicado em Miami, a filha do ex-presidente e líder revolucionário Hugo Chávez é a mulher mais rica do país, apesar de nunca ter tido um emprego a sério. Maria Gabriela Chávez parece ter quase 4 mil milhões de dólares em contas de bancos americanos e de Andorra. Mas mesmo que esta notícia contenha uma forte dose de exageração anti-chavista, é para toda a gente evidente que a Maria Gabriela nunca prestou muita atenção às partes dos inúmeros discursos onde o pai dela afirmava que ser rico é pecado e que o capitalismo conduz ao inferno.

No que diz respeito à inflação o governo nega-a ou ignora-a, mas reconhece a existência de escassez. Mas os socialistas sabem de quem é a culpa. Na televisão estatal (todos os canais da Venezuela) ouve-se diariamente que os problemas económicos do país têm origem nas maquinações e sabotagens do El Império (os EUA) e na conspiração das oligarquias para sabotar a revolução e depor o governo. Só que não existem sanções americanas contra a Venezuela nem nunca foram apresentadas qualquer prova de sabotagem. As constantes falhas de electricidade e de água, por exemplo, são ocasionadas por má gestão num país em que os funcionários são apenas recompensados pela fidelidade ao PSUV (Partido Socialista Unido de Venezuela), em vez de competência e experiência.

Brain drain

Lorenzo Mendoza é o maior empresário venezuelano que ainda não abandonou o país (um milhão e meio de compatriotas, na maioria com estudos superiores, já o fizeram - uma fuga de capital humano com consequências devastadoras na sociedade). Lorenzo Mendoza é o dono da Polar, a mais famosa marca de cerveja do país e a bem dizer a última empresa venezuelana que produz com sucesso produtos alimentares. Mas Mendoza foi agora apontado pelo governo em Caracas como o bode expiatório nacional. Diosdado Cabello, presidente da assembleia e o pitbull do regime, quer iniciar uma investigação judicial contra o empresário porque este parece ter sugerido que a Venezuela devia pedir ajuda ao FMI para combater a grave crise económica.

Típico da liderança revolucionária do país; a culpa é sempre dos outros, nunca da própria política, mesmo que esta já dure há 100 anos e em todos os sítios em que foi implementada o resultado é sempre o mesmo: caos económico. Mesmo quando tudo indica que a população está decidida a infligir uma pesada derrota aos socialistas nas eleições no próximo Domingo (apesar da falta de liberdade e falcatruas eleitorais), os chavistas recusam-se a dar o braço a torcer e a aceitar que levaram o país à banca rota. Outro exemplo ilustrativo da política de avestruz dos socialistas: para não ter que admitir a enorme inflação, o governo recusa-se a imprimir notas superiores a 100 Bs. O que faz com que as pessoas andem na rua com enormes maços de notas, dando origem à previsível anedota: 'tens um maço de notas no bolso ou estás contente de me ver?"

Limiar de pobreza

Para o próximo ano calcula-se uma baixa de 10% da economia Venezuelana, mas negociações com o FMI é considerado tabu no governo de Nicolás Maduro. Todas as medidas que Hugo Chávez implementou no início deste século para melhorar a situação dos pobres, foram extintas pela crise e pela inflação. A percentagem de venezuelanos abaixo do limiar de pobreza é actualmente de 55%, mais do que quando Chávez em 1999 chegou ao poder.

Até mesmo o orgulho da revolução bolivariana, o Serviço Nacional de Saúde, está falido. Os postos médicos nos bairros de lata debatem-se com uma enorme falta de medicamentos e pessoal. Os médicos do hospital Domingo Luciani contaram-me que em muitos hospitais os médicos fazem uma vaquinha para comprarem analgésicos e ligaduras antes de começar o serviço. Os milhares de médicos cubanos que os Castros enviaram para a Venezuela para apoiar a 'revolução médica', desapareceram como o fumo. Apesar de serem pagos em dólares e com um salário superior ao dos seus colegas locais, abandonaram em massa o país e foram para o Brasil ou para os Estados Unidos através da Colômbia.

Em casa de amigos em Valência, a três horas de viagem a sudeste de Caracas, ouvi uma conversa entre duas velhotas. "Ó rapariga, conseguiste arranjar café?" "Sim, e até açúcar para meter no café, que achas?" As duas olharam uma para a outra e desataram à gargalhada.  "Ora vê lá tu ao que chegou o nosso país!" Esta cena é o dia-a-dia entre todas as camadas da população. Daí que todos os prognósticos indiquem que as enormes bichas à porta de supermercados e bancos vão-se repetir nos locais de voto no dia 6 de Dezembro.... para depois de 16 anos de revolução acabarem finalmente com o governo socialista.

6 comentários:

  1. "Mais um caso em que a bonita ideologia que é o Comunismo foi colocada em prática de forma errada." dirão os esquerdistas, sem terem ainda, em quase 100 anos de socialismos, uma única nação comunista da qual se possam orgulhar...

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  2. Nem uma.... Poderiam dizer a verdade uma vez por todas e começar de novo, mas não, insistem em mentir à população e aos seus militantes!

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  3. “Poderiam dizer a verdade… …”

    Mas nesse caso, tanto a população como os militantes são uma cambada de anjinhos?

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  4. Quando somos militantes temos sempre a tendência para ser anjinhos, mas uma grande parte da população já não são - pelo menos no que diz respeito a acreditarem em manhãs que cantam...

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  5. Pelo menos para os maduros da Venezuela. O que já não é nada mau.

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  6. Precisamente. A Venezuela viveu 16 anos de fantasias revolucionárias e acordou com a casa toda escavacada, agora vão ter que recomeçar tudo de novo. Bonito serviço!

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