Como o Estado tem
o monopólio do uso da violência, a culpa de não se combater efectivamente
atentados terroristas é do Estado. Mas os políticos abordam atentados
terroristas como se fossem fenómenos da natureza, disse recentemente o filósofo
holandês Paul Cliteur.
Estão zangados
contra os terroristas?
Zanguem-se contra
o Estado.
Uma das coisas
mais curiosas nos confusos acontecimentos à volta dos atentados de Bruxelas, é
o facto de muita pouca gente ver nisto um falhanço do Estado, e no entanto foi
isso que aconteceu. Para que temos nós um estado? O estado é uma organização que
tem a pretensão de proteger os cidadãos entre eles e contra ataques de outros
estados.
A primária função
do estado é ter o monopólio do uso da violência: o estado desarma os seus
cidadãos mas tem a polícia e a justiça para resolver conflitos. Mas desde os
ataques de 11 de Setembro e dos muitos outros que se seguiram, parece que o
Estado não pode ou não quer exercer a tarefa para que foi concebido.
Os políticos
abordam os atentados terroristas como se fossem fenómenos da natureza; podemo-nos
lamentar, participar em marchas silenciosas com lamparinas, dando a impressão
que tudo isto nada tem a ver com uma falha governativa. Se depois do atentado à
redacção da Charlie Hebdo o presidente francês François Hollande conseguiu
colocar 70.000 polícias na rua, porque razão não se encontravam mais de dois
agentes à porta da redacção do semanário? Como é possível que Salman Rushdie
viva há 30 anos como um animal perseguido?
Parece que o Estado
julga que os atentados param por si se não pensarmos demasiado profundamente na
causa que os provocam. E a causa é uma forma de pensar. Uma coisa que os irmãos
Kouachi, Coulibaly e Abdeslam todos eles têm em comum é uma maneira de pensar, um
conjunto de ideais comuns. Designar esta maneira de pensar como uma 'religião'
ou uma 'ideologia', ou uma combinação das duas coisas, sobre isto as opiniões
divergem. Mas seja o que for uma coisa é certa, esta maneira de pensar não vai
desaparecer pelo simples facto de não se lhe dar a devida atenção.
Dito de outra
maneira: os estados não desenvolveram nos últimos anos uma significante cultura
de combate ao terrorismo. Pior ainda, pensam - ou estão mesmo absolutamente
convencidos - que isso não ajuda. Entretanto o mercado é inundado com
propaganda para a luta armada em países longínquos sem que o estado contraponha
uma versão própria mas mais atraente dos factos.
Uma versão sobre
democracia, estado de direito, direitos humanos e sobre como viver num espaço
onde podemos ler livros com imagens de todos os deuses e profetas que este
mundo até agora conheceu. É evidente que é preciso ao mesmo tempo investigar,
perseguir e julgar. Podemos sempre alegar factores geopolíticos que influenciam
o terrorismo. Mas o terrorismo é também uma maneira de pensar. Uma forma de
pensar que deve ser analisada sem descurar os fundamentos religiosos e
ideológicos.
Nos últimos quinze anos nada disto aconteceu. E por
isso foram anos perdidos no combate ao terrorismo. Talvez que agora Bruxelas
seja um 'wake-upcall' e que algo mude. "Santo Sócrates, reza por
nós", dizia Erasmo de Roterdão. Rezemos para que isso realmente aconteça.
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