30 novembro 2012

ALTA VELOCIDADE ESPANHOLA


Merijn de Waal, o correspondente para Portugal e Espanha do jornal holandês NRC, demonstra de forma simples e concisa quem lucra - construtores, lobbyistas, Siemens - com a falta de rentabilidade dos TGV’s espanhóis, e quem vai ficar a perder por causa de uma obsessão de políticos que se recusam a fazer contas.


Enquanto a paisagem espanhola é atravessada a toda a velocidade, Ramón Vierga lê o jornal. Ao lado, homens de negócios discutem os últimos boatos financeiros. Encontram-se na carruagem-restaurante do comboio de alta velocidade entre Madrid e Barcelona. “Isto é bem mais confortável do que ir encolhido numa cadeira de avião”, diz Ramón Vierga. Vive em Madrid e para o seu trabalho utiliza regularmente a vasta rede de comboios de alta velocidade que Espanha, com a ajuda da UE, nos últimos vinte anos se equipou.

“Antigamente os nossos comboios eram sujos e lentos, e nunca chegavam a tempo e horas. Se tivesse que ir a Sevilha ou a Barcelona, ia de carro ou avião. Agora apanho o AVE.” AVE significa Alta Velocidad Española.

Desde a inauguração da primeira linha entre Madrid e Sevilha, os espanhóis acolheram o AVE como a predilecta alternativa para o avião. As estações encontram-se no centro dos grandes centros urbanos. Não há grandes bichas nem os irritantes controlos de segurança à entrada. Sentados no interior, e graças a uma existente rede internet, é possível trabalhar. Nas carruagens de luxo as hospedeiras servem de comer e de beber.

Mas este conforto tem um preço. Dos quase dois mil quilómetros de linha ferroviária AVE, só no trajecto Madrid-Barcelona é que a venda de bilhetes cobre os gastos operacionais. Em todos os outros trajectos a RENFE (empresa dos caminhos de ferro) tem prejuízo, e o Estado tem que cobrir o défice. “O AVE é fantástico: pontual, rápido e luxuoso, mas é muito caro.” Esta é a conclusão de Daniel Albalate, um economista de transportes da Universidade de Barcelona.

Daniel Albalate publicou em 2011 um estudo crítico sobre a necessidade do AVE. Espanha é o país com mais quilómetros de linha férrea de alta velocidade por habitante. Em números absolutos só a China tem mais. Mas o número de passageiros é muito baixo comparado com outros países.

No novo orçamento Europeu para 2014-2020, assente no fim de semana passado, Espanha passará pela primeira vez a ser contribuinte líquido da UE. Nos primeiros 26 anos da sua filiação era – em números absolutos – precisamente o maior beneficiário. Espanha recebeu desde 1986 mais de 150 biliões de euros da UE e utilizou grande parte desta verba em infra-estruturas.

Segundo Daniel Albalate, o AVE tornou-se entretanto numa “obsessão dos nossos políticos.” O seu estudo prova que uma ligação à rede do AVE não favorece economicamente as cidades ou regiões de forma sustentável. Assinala no entanto um breve surto na construção civil em certas cidades no momento de abertura de uma nova linha. “Como os políticos há muito que vêm apregoando os presumíveis benefícios, todas as regiões querem uma ligação ao AVE. E assim os políticos começaram a acreditar nas suas próprias mentiras.”

A última grande linha ferroviária AVE foi inaugurada no final de 2010 entre Madrid e Valência. Durante a inauguração o ex primeiro-ministro, Rodriguez Zapatero, exclamava com regozijo que “só com o AVE é que um grande país como Espanha poderia manter-se no topo. Este é um dia em que os espanhóis podem ter confiança nas suas capacidades.” Seis meses depois o trajecto entre Toledo e Albacete foi suprimido, porque em média viajavam diariamente apenas 16 passageiros. O Estado tinha que acrescentar 1.125 euros em cada bilhete de comboio.

Também o governo actual mantém o objectivo de até 2020 ligar as 47 capitais de província a Madrid. No próximo ano será a Galiza, a província de onde o primeiro-ministro Mariano Rajoy é natural. Calcula-se que esta linha ferroviária transportará 1 milhão de passageiros por ano – a Comissão Europeia acha que apenas 6 a 9 milhões de passageiros justificam um investimento. O Tribunal de Contas Europeu também é crítico em relação a estes projectos e é defensor de menos investimentos no transporte de passageiros e mais no transporte de mercadorias por via férrea. Sobretudo no corredor mediterrânico: uma linha de transporte de mercadorias que ligue o extremo sul de Espanha a França, através da costa mediterrânica. Espanha ignora este tipo de sugestões. Daniel Albalate: “Enquanto tivermos um mínimo de soberania vamos continuar a colocar carris para a linha de alta velocidade. Até a Senhora Merkel dizer ‘nein’.”

Recentemente um consórcio espanhol conseguiu uma empreitada na Arábia-Saudita para construir uma linha de alta velocidade entre Meca e Medina. “Os únicos que lucram com este ‘boom’ de comboios de alta velocidade são os nossos construtores, que usam o ‘lobby’ de forma bastante eficaz. Mas os nossos contribuintes vão pagar durante muitos anos estas linhas férreas que dão prejuízo.”

As empresas do Norte da Europa também beneficiam com esta situação. Os trajectos do AVE são pagos em 50% através do Fundo de Coesão da U.E. Uma parte do dinheiro é reenviado aos países contribuintes no Norte da Europa. As carruagens e as locomotivas vêm das fábricas alemãs da Siemens. “E disso compramos em demasia, estão nas estações de recolha sem uso.”

7 comentários:

  1. Dá para ver que tu minha "AVE" já estás mais que embalado entre a linha Sul com o Norte. Os meus parabéns com o teu blogue, já podes morder à vontade no que queres, ou queiras, sem correres o risco de seres obrigado, a teres que pedir exílio na extraordinária cosmopolita SABÓIA e ficares por lá, até ao fim da tua vida!. Toma atenção, porta-te com juízo! ouviste!!!.

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  2. De todas as formas, depois de ter lido o artigo (e traduzido) fiquei com vontade de dar uma voltinha com no AVE, pelos vistos em grande parte à custa do Estado Espanhol...

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  3. El jueves pasado viajé desde Málaga a Huelva via Sevilla, donde me recogieron en coche, en el Avant..que circula por la via del AVE, con paradas en Córdoba y Antequera, el tren iba casi lleno de ida y de vuelta, fue muy puntual y aunque no es barato es rápido y ahorré el dinero del hotel de la noche anterior si hubiera ido en coche.El de Málaga a Madrid va siempre lleno al igual que el de Madrid a Barcelona.
    La red de alta velocidad es un acierto siempre que se haga un proyecto de viabilidad previo que sea exhautivo y que haya alternativas más baratas para pasajeros que prefieran gastar menos dinero y dedicar más tiempo.

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  4. “….va siempre lleno al igual que el de Madrid a Barcelona.”

    Según el economista Daniel Albalate, el único trayecto que cubre los costos operacionales - no se si es lo mismo que ‘rentable’? – es Madrid-Barcelona. En los otros, la RENFE (el estado) tiene que echar una mano – repito, según el economista de la Universidad de Barcelona, que hizo un estudio sobre el tema.

    Pero parece que es verdad que es rápido, puntual y se va mejor que en el avión.

    Y si la gasolina se pone mucho más cara, entonces el AVE se tornará con el tiempo quizás más barato y finalmente rentable...

    PS Otra cosa Fernando, “enlace” quiere decir “link”?

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  5. Efectivamente usamos la palabra ¨enlace¨y a veces ¨Link¨..curioso que sea un profesor de la Universidad de Barcelona el que diga que el único rentable sea Madrid Barcelona...además la rentabilidad directa no puede ser el único criterio para un servicio estatal que deriva en otros beneficios que tambien son económicos y rentables.

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  6. " no puede ser el único criterio para un servicio estatal que deriva en otros beneficios que tambien son económicos y rentables.."

    Claro que non, pero un estudio económico de esto tipo no tiene solamente en cuenta la rentabilidad directa - se trata de un economista, no de un contable.

    En el artigo el hace referencia a este pormenor:

    O seu estudo prova que uma ligação à rede do AVE não favorece economicamente as cidades ou regiões de forma sustentável. Assinala no entanto um breve surto [booming económico] na construção civil em certas cidades no momento de abertura de uma nova linha.

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  7. Comentário de Holandês Voador que, por problemas de incompatibilidade de browser, não conseguiu colocar o comentário.

    O AVE tem tudo o que tem o TGV, o ICE ou o THALYS, ou seja: é veloz,
    cómodo, pontual e...caro.

    Dito isto, devo confessar que gostei da experiência na linha Madrid-Sevilha, que usei o ano passado. Resta acrescentar que os Combóios de Grande Velocidade (TGV) são, nas curtas distâncias, bem mais interessantes que o avião: são confortáveis, vê-se melhor a paisagem, podemos desentorpecer as pernas, não perdemos tanto tempo nos aeroportos e são menos poluentes do que os automóveis.

    Para distâncias curtas (menos de 500km) não compensa utilizá-lo, assim como, para distâncias acima dos 1000 km, será mais rentável o avião. Ou seja, não faz sentido nenhum construir um TGV entre Lisboa e Porto, mas faz todo o sentido
    construir um TGV entre Lisboa e Madrid. Já a sua necessidade para Portugal,
    um país pequeno e periférico, é discutível no actual contexto económico
    europeu. Para já não, mais tarde, talvez...

    Holandês Voador

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