15 setembro 2014

SENTIDO CRÍTICO




Para quem segue os feitos da selecção portuguesa de futebol e ao mesmo tempo os da holandesa, há uma coisa que salta à vista, a selecção holandesa tem a vida muito mais dificultada que a portuguesa.


A selecção holandesa não se pode limitar a ganhar a equipes de boas-festas por 1-0 ou 2-1 porque é imediatamente arrasada na imprensa local.

Os holandeses, ao contrário dos portugueses, que se contentam com pouco, querem que a selecção nacional ganhe, sim, mas com uma diferença de golos representativa da diferença de qualidade e do ranking actual.

É claro que isto nem sempre é possível, mas o sentido crítico da população holandesa não esmorece, e em caso de derrota ou vitória mínima, vão chatear os cornos ao seleccionador (e aos jogadores também) até este mudar de profissão, ou de endereço, ou conseguir resultados a condizer com a fama do futebol nacional.


Em Portugal, o sentido crítico sempre foi uma coisa muito débil, mas o desaire no Campeonato do Mundo no Brasil e a recente derrota da Selecção portuguesa em Aveiro, contra a Albânia, parecem ter despontado uma pequena mudança de mentalidade: a Selecção Nacional teve direito a assobios e lenços brancos em Aveiro e o escritor Miguel Sousa Tavares aproveitou bastante bem o momento crítico que pairava nos ares, para escrever um comentário corajoso e magistral que quero partilhar com o maior número de patriotas possível.

Miguel Sousa Tavares:

Não é só no futebol que no fim ganham os alemães. É no futebol, no atletismo, no automobilismo, no andebol, na equitação, no ski. É no desporto, na música, na literatura, na arquitectura, na construção de carros, de electrodomésticos, de máquinas industriais, etc, etc. Podemos gostar ou não, podemos até desdenhar, mas a verdade é esta: no fim, ganham os alemães. E ganham, porquê?

Porque trabalham mais, porque se focam nos objectivos, porque valorizam os resultados. Se alguém quiser entender por que razão a Alemanha está farta dos países do sul da Europa, ponha-se na pele de um alemão. E compare a selecção alemã, campeã do mundo, com, por exemplo, a portuguesa.


A selecção alemã que foi ao Brasil não tinha vedetas nem pequenas, nem médias, nem grandes. Não se davam ares de vedetas, nem fora nem dentro do campo. Umas vezes, esmagaram e fascinaram com o seu futebol de carrossel demolidor, outras vezes — como na final — correram, lutaram, sofreram, sangraram e, no fim, ganharam.

Nenhum jogador quis dar nas vistas por outra razão que não fosse jogar futebol. Ali não havia ninguém com tatuagens, com penteados ridículos, com figurinos tipo Raul Meireles, com brincos nas orelhas, com pose de deuses inacessíveis de auscultadores enfiados nos ouvidos, fingindo-se alheios a tudo o que os rodeava, como se fossem superiores à gente comum.


Não, os alemães passaram pelo Brasil confraternizando, querendo ver e saber, curiosos e contentes por ali estarem — tão diferentes dos nossos heróis do mar, fechados para o mundo em hotéis-fortaleza, onde só entravam cabeleireiros, tatuadores e agentes.

Os alemães não passaram as conferências de imprensa a debitar lugares comuns e frases feitas sem conteúdo, próprias de quem jamais foi visto com um livro, uma revista ou um jornal na mão e passa os tempos livres a debitar selfies e banalidades nas redes sociais, imaginando-se o contra do mundo.

Os alemães mandaram ao Brasil uma verdadeira embaixada, para servir o futebol e honrar o seu país, enquanto nós mandámos um grupo de homens mimados e convencidos, comandados por dirigentes que não lhes souberam exigir que estivessem, em todos os aspectos, à altura da responsabilidade.


Mas, como em tudo o resto que fazem, os alemães também mandaram um grupo de jogadores que se portaram como verdadeiros profissionais, que trabalharam e treinaram no duro, enquanto que nós mandámos uma excursão de rapazes que se convenceram que os penteados e as tatuagens, por si só, conseguem ganhar jogos ou então ficar na fotografia que parece bastar-lhes.

Não é por acaso que o campeonato alemão tem estádios cheios e que o público dá por bem empregue o seu tempo e o seu dinheiro, enquanto que o principal do nosso campeonato é jogado em estádios vazios e vivido sobretudo nos programas televisivos dos dias seguintes, a discutir se foi bola na mão ou mão na bola ou se a entrada de uma equipa em campo 2 minutos e 45 segundos depois da hora marcada condicionou ou não decisivamente o resultado de outro jogo.

Nós discutimos, eles jogam. Nós tatuamos, eles treinam. Nós penteamos, eles correm. Nós somos recebidos e pré-condecorados pelo Presidente antes de começar, eles são apoiados na bancada pela chanceler quando chegam à final. Nós somos heróis antes de partir, eles são vencedores depois de ganharem.


Não é por acaso que, desde que me lembro e tanto quanto me lembro, só dois jogadores portugueses (Paulo Sousa e Petit) jogaram no campeonato alemão e só um jogador alemão jogou no campeonato português (Enke). 

Não perguntem o que é que os alemães têm. É toda uma sociedade fundada no trabalho, no mérito, na responsabilidade, nos resultados. Goste-se ou não, isto não tem nada a ver com o fado. É outra cultura, é outra coisa.

12 comentários:

  1. Bloguisses15/09/14, 15:51

    Enfim... Falta dizer que os Alemães gostam dos Alemães e os Porgueses também não gostam do Portugueses.

    Sim, é triste mas, acima de tudo, é um desperdício.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Falta dizer muita coisa, por exemplo que os portugueses, além de penteados e tatuagens, também adoram frases crípticas e preferem sugerir a dizer as coisas abertamente! (Mas isso fica para outro post).

      Bloguisses,

      O que é triste? Onde está o desperdício?

      Eliminar
    2. Bloguisses15/09/14, 20:09

      Estava a ser literal: os Portuguese têm falta de auto-estima. Acreditamos pouco em nós e naquilo que poderiamos fazer e isso é triste.

      O desperdício é tudo aquilo que poderiamos fazer e não fazemos.

      O que poderiamos fazer? Duas coisa simples: respeitar os outros e compreender que, em democracia, os políticos são o espelho do povo. Pode não ser bonito olhar no espelho mas é o que lá está.

      Capiche?

      Eliminar
    3. "os Portuguese têm falta de auto-estima

      Então deve ser por isso que "se isolam em hotéis de luxo com pose de deuses inacessíveis e de auscultadores enfiados nos ouvidos", e..... que terminam as suas frases com Capiche?.

      ".... aquilo que poderiamos fazer e não fazemos.

      Poderíamos começar por ser-mos menos pedantes e mais críticos, e creio que o MST deu aqui uma óptima contribuição.

      Claro que os políticos são o espelho do povo, já aqui o disse várias vezes. Não caem do céu de pára-quedas, e por enquanto não podem ser fabricados numa impressora 3d. Mas por vezes os povos têm sorte. Nós tivemos sorte com o Marquês de Pombal, os turcos com Mustafa Kemal, os Sul-Africanos com Mandela, os russos com Gorbatchov, os chineses com Deng Xiauping e os holandeses com o Drees sénior...

      Eliminar
    4. Nesta questão dos povos por vezes terem sorte com os seus governantes, esqueci-me que nós tivemos sorte logo de início: Dom Afonso Henriques.

      Eliminar
    5. Bloguisses16/09/14, 09:18

      Mais críticos connosco. É isso mesmo: compreender que "eles" (tão criticados nas conversas de café) somos "nós" que só depende de nós darmos a volta a este barco. Enquanto o problema estiver com "eles", o nível não sobe.

      E sim... Consegues ver-me à transparência: a minha lusa-auto-estima está por baixo e textos de Sousa Tavares ainda a afunda mais.

      Eliminar
    6. Este teu comentário é tão bom, tão bom, que eu acabei por dedicar-te um 'post'. Estou a fazer os acabamentos e está quase a sair...

      Eliminar
    7. Bloguisses16/09/14, 14:45

      Jazus...

      Eliminar
  2. Apenas uma rectificação meu caro, faltavam alguns na sua lista:

    Fernando Meira: VFB Stuttgart
    Hugo Almeida: Werder Bremen
    Domingos Costa: VFB Wolfsburg
    Ricardo Costa: Wolfsburg
    Sérgio Pinto: FC Schalke 04
    José Silva: Borussia
    Amaury Bischoff (luso descendente): Werder Bremen
    Sérgio Pinto: Hannover
    Carlitos: Hannover
    Marcel Correia: Kaiserslautern
    Roberto Pinto: Sandhausen (III)

    Lukas Raeder (20 anos): redes, alemão do setúbal (levou 5 do benfas, temos pena)

    O futuro da selecção está estagnado, pela quantidade de jogadores que temos estrangeiros a actuar na Primeira Liga.
    Exportamos jogadores jovens, como os produtores do Oeste enviam pêras rocha para Inglaterra, Alemanha, França…
    O Dunga tinha razão Portugal podia ser o Brasil B,C ou D.

    Numa selecção não existem lugares cativos.
    Era mais do que obvio que o vencedor do Mundial seria uma “equipe” ou seja, trabalho de equipe Nós somos incompetentes pelos visto.

    A Alemanha deu uma lição ao mundo. Faço uma vénia ao Gana, foi a única equipa que tirou pontos aos alemães…. Grande Gana, um pouco de mais organização ui ui seria uma equipa do diabo.

    O JJ é que sabe ("Neste momento não me passa pela cabeça treinar a seleção. Todos os que passam pela seleção saem de lá sem prestígio. Está demonstrado que quem treina a seleção sai de lá pela negativa. É um dado que todos nós devemos registar", vincou.

    http://www.dn.pt/desporto/benfica/interior.aspx?content_id=4126582&utm_source=dlvr.it&utm_medium=facebook

    http://www.dn.pt/desporto/interior.aspx?content_id=3005550&page=1
    http://www.maisfutebol.iol.pt/fc-porto-benfica-sporting-vitoria-guimaraes-pacos-ferreira-maritimo-gil-vicente-belenenses-nacional-sp-braga-academica-rio-ave-liga-estoril-vitoria-setubal-olhanense-arouca-nacionalidades/5229cf1884ae3c498b1aadcb.html

    ResponderEliminar
  3. Makumbeiro,

    A lista não é minha, é do Miguel Sousa Tavares, mas também não é assim tão importante para a mensagem do texto.

    Como a estagnação, por causa da exportação de jogadores nacionais ou pela importação de jogadores estrangeiros, é igual em vários países, anula-se mutuamente. Não será?

    Os melhores jogadores holandeses jogam no estrangeiro, assim como os portugueses, brasileiros, argentinos, uruguaios, mexicanos, africanos, etc. Tal como o Benfica, também existem equipes na Inglaterra a jogar quase exclusivamente com estrangeiros.

    Não percebo o que o Dunga quer dizer!!!

    Claro que existem lugares cativos em muitas selecções. Na selecção portuguesa o lugar do CR7 é indiscutível (achas que devia ser discutido? Mas quem poderia substituir o CR7? Só estou a ver uma pessoa: o Ricardinho); na argentina o Messi; na holandesa dois lugares: Robben e Van Persie; na Suécia o Zlatan; na brasileira o Neymar; na espanhola o Iñesta; na alemã o treinador...

    Na Inglaterra é nos últimos anos também demonstrado que os treinadores da selecção (nacionais ou estrangeiros) acabam sempre numa negativa.

    Um abraço
    C d r 7

    ResponderEliminar
  4. Dunga:

    “Vamos jogar contra o Brasil. Será o time A contra o time B”, avaliou Dunga, referindo-se à presença de brasileiros naturalizados portugueses no rival europeu. Pepe, Deco e Liedson são nomes constantes nas convocações do time rubro-verde.

    Artigo:
    http://copadomundo.uol.com.br/2010/ultimas-noticias/2009/12/04/dunga-ve-portugal-como-brasil-b-e-tecnico-lusitano-responde-com-ironia.jhtm

    Em relação aos lugares cativos meu caro, a selecção nacional com o mister Paulo Bento rodava toda em volta do scp.

    O lima no Benfica baixou em muito o rendimento, porquê? O tacuara Cardozo deixou de ser problema….. ai está ( O Roben dá tudo, está em todas não deixa sair a bola, atitude e raça)

    O nosso meio campo parecia um passador de café no mundial. Tácticas de jogo mais do que ultrapassadas “triângulo”.

    Renovação, sim renovação, fez a Holanda, a Alemanha e a França.

    Agora somos “nós”

    Sangue novo com força. O difícil é ter um jogador na posição 9 com raça e determinação com fome de golo. Ai sim um 9 com gana… Agora os que temos nossa senhora ….
    Abraço grande
    Cdr7

    ResponderEliminar
  5. Mas afinal o Carlos Queirós tinha mais razão que o Dunga, quando disse que a maior parte dos jogadores brasileiros são descendentes de portugueses e por isso se trata de uma mistura A,B,C, e D.

    Mas o nosso problema não é só tático. Os nossos rapazes são excelentes jogadores e sempre tivemos pelo menos um ou dois grandes craques em cada década. Compare-se com Espanha, França, Alemanha, com muito mais habitantes (jogadores) e há quanto tempo já não têm um jogador do calibre de um Futre, Figo ou CR7 ?

    O problema é que os nossos jogadores não são adultos, são crianças mimadas ou insurretos. E por isso não têm uma atitude profissional, e muito menos patriótica.

    Sobre os lugares cativos e as opções do mestre Bento não tenho opinião, porque não conheço a maior parte dos novos jogadores portugueses nem nunca os vi jogar. Apenas não percebo porque razão não joga o Quaresma, mas sobretudo o fenomenal Bruma?

    Abração
    cdr7

    ResponderEliminar