28 dezembro 2012

O NATAL NA CHINA




Festejar o Natal na China é comer fora e fazer compras, mas sobretudo uma afirmação de estatuto social. Tem também uma longínqua relação com o Cristo mas nada a ver com o presépio…














O correspondente na China do jornal NRC, Oscar Garschagen:

Parece que ultimamente a China confucionista e comunista descobriu o Cristo. Qualquer edifício com pretensões, hipermercado ou hotel estão desde Novembro decorados com plástico a imitar musgo, com estrelinhas, trenós e pais-natais barbudos. Tudo made in China. Mas uma verdadeira cena bíblica, como o presépio, nada, nem uma!

Em Xangai as empregadas de restaurante  saúdam os clientes - e não somente os clientes estrangeiros - com risinhos nervosos acompanhados de um ganido que quer vagamente dizer ‘Merry Christmas’. Na rua das lojas, iluminada e decorada com enormes árvores de natal de plástico, houve-se um muzak que com algum esforço reconhecemos a melodia da Noite de Paz.

Será que os chineses deram em católicos? As aparências iludem, sobretudo nas grandes cidades. Apesar da enorme atenção dada ao Natal ninguém conhece a origem, quanto mais as consideráveis diferenças entre protestantes, católicos e judeus. Até mesmo a minha professora de chinês, casada com um holandês, não sabe quem é Jesus. Contar-lhe em mandarim a viagem da virgem Maria e São José para Belém, é para mim um excelente exercício.

Os fracos conhecimentos da Bíblia são o produto do ensino chinês, onde as crianças continuam a aprender que a religião é um disparate não-científico, ou, como dizia Marx, ópio para o povo. Mas apesar de tudo há um aspecto religioso ligado ao aumento da popularidade das festividades natalícias na China. Segundo dados oficiais, o número de cristãos praticantes quadruplicou nos últimos 15 anos e são hoje 120 milhões de crentes. Numa cidade como Wenzhou, que com quase 2000 igrejas é conhecida como a Jerusalém chinesa, respira-se um ar feliz e de devoção. Na noite de Natal e nos dias a seguir as igrejas oficiais em Xangai, Guangzhou e Pequim encontram-se repletas, todos os lugares foram reservados de antemão.

O escritor americano de origem chinesa Tom Doctoroff, constata que os chineses vêem o Cristo simplesmente como um entre muitos deuses: um santo que, não vá o Diabo tecê-las, convém venerar para evitar todo o tipo de desgraças. Pragmatismo não lhes é estranho quando se trata de precaver um futuro abastado e saudável.

É claro que o comércio desempenha um papel preponderante. Os sombrios dias antes do Natal são o início de uma longa época de compras, que passa pela noite de São Silvestre e que se vai estender até princípios de Fevereiro, quando começam as férias chinesas do Ano Novo. E a primeira semana do Ano Novo chinês era tradicionalmente o momento das grandes aquisições (casa, carro, anel de casamento com diamantes, relógios de ouro e colares de jade), mas agora os comerciantes chineses tentam por todos os meios persuadir o público a começar mais cedo.

Fazer compras durante a época natalícia, jantar ou almoçar em restaurantes decorados com ramos de pinheiro, onde os empregados servem vestidos de Pai Natal, é apresentado como sendo ‘a maneira moderna de viver’. Quem o faz está imediatamente a demonstrar que é uma pessoa moderna, que é dotada da tão alvejada orientação internacional e que tem sucesso na vida ou ambição para tal. Festejar o Natal à moda chinesa é sobretudo uma afirmação de estatuto social, de ‘mianzi’, ter ou conseguir prestígio. Confúcio, que viveu no ano 500 depois de Cristo e que está na origem deste conceito, de certeza que aprovaria esta evolução natalícia.

3 comentários:

  1. "Os fracos conhecimentos da Bíblia são o produto do ensino chinês, onde as crianças continuam a aprender que a religião é um disparate não-científico, ou, como dizia Marx, ópio para o povo."

    Estamos beatos?
    Porque raio haveriam de conhecer a biblia?
    Conhecem os escritos de Confúcio, conhecem o budismo, conhecem o taoismo.
    Não precisam de biblias para nada. Aliás, a maior parte das pessoas que leu uma boa parte da biblia sabe que ninguém precisa daquilo para nada.

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  2. ”Estamos beatos”

    Estamos?

    Eh pá, lembras-me a anedota dos dois paneleiros perante o tribunal. O juiz pergunta “então, qual é a razão da vossa presença?”. Um deles responde, “senhor doutor juiz, nós cá ‘semos’ paneleiros” - sendo imediatamente corrigido pelo juiz: “semos não, somos”. O paneleiro com as mãos nas ilhargas responde: “ai o senhor doutor juiz também é?”

    Deixei bem claro que não fui o autor do artigo, apenas o tradutor, e não ia censurar estar parte só porque me parece estranha - a mim também!

    ”Porque raio haveriam de conhecer a biblia?”

    Também não faz parte das minhas prioridades mas, tal como no ocidente (quase) toda a gente conhece a existência do confucionismo, do budismo e do taoísmo, assim na China o cidadão mediano também deveria saber pelo menos quem é o Cristo, o Eusébio e a Margaret Thatcher. Não forçosamente nesta ordem.

    ” a maior parte das pessoas que leu uma boa parte da biblia sabe que ninguém precisa daquilo para nada.”

    Não tenho opinião, tenho imensa pena mas faço parte das pessoas que nem uma pequena parte da bíblia leu…

    PS então, comeste muitas 'oliebollen' na passagem de ano?

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  3. "o cidadão mediano também deveria saber pelo menos quem é o Cristo, o Eusébio e a Margaret Thatcher. Não forçosamente nesta ordem."

    Brilhante! :D
    Mas eles deviam era conhecer a filha do Eusébio! Se não sabes do que estou a falar vai ao Youtube e pesquisa "filha do eusébio." É confrangedor, previno.


    "comeste muitas 'oliebollen' na passagem de ano"

    Epah, não detesto sonhos mas apanhei uma barrigada de pirotecnia. Sempre adorei bombas e foguetes. Será por causa disso que simpatizo com o Hamas? ;)

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