03 março 2013

Euro, Lira e guardas-florestais…




Berlusconi, assim como a esquerda portuguesa, acha que a crise económica italiana é culpa da Merkel. Derk Jan Eppink, um jornalista holandês e membro do parlamento europeu, diz-nos que os italianos já estão quase ao nível dos gregos na aversão aos alemães, e Berlusconi aposta forte neste sentimento enquanto que Mário Monti transmite a imagem de um vassalo de Merkel.



Derk Jan Eppink:

Economia italiana é um espelho da economia europeia

A Itália debate-se com um dilema: abraça o Euro como um símbolo de unidade europeia mas economicamente a moeda não está ao seu alcance. A coroa da Unidade Europeia tornou-se uma coroa de espinhos para os italianos. Desde a introdução do Euro a economia italiana a bem dizer não cresceu, fazendo com que a zona rica do país, o Norte, sinta cada vez mais dificuldades em suportar anualmente o Sul pobre com um fluxo financeiro de 50 biliões de euros. O economista italiano Claudio Borghi afirmava há dias: “a economia italiana é um perfeito espelho da economia europeia. O norte é a Alemanha, o centro a França e o sul a Grécia. Roma é Bruxelas!” Ele é a favorável a uma saída do Euro por parte da Alemanha, mas uma afirmação deste tipo é por enquanto como praguejar na igreja.

A Lira

Note-se que a crise italiana é tão velha como a própria Itália, que em 1861 introduziu a Lira como moeda única. Nessa altura, o Sul e o Norte estavam aproximadamente ao mesmo nível de desenvolvimento. Nápoles era uma das maiores cidades da Europa. O resultado da introdução da Lira foi que o Norte (liberal) com a sua industrialização, fluxo de capital e força de trabalho, conseguiu um avanço económico, enquanto que o Sul (feudal) - il Mezzogiorno – se enterrou. Esta clivagem de prosperidade e desenvolvimento ainda perdura, apesar das transferências de capital de Norte para Sul que inicialmente passavam por Roma, e agora também através dos fundos europeus de Bruxelas.

Os guardas-florestais

A Lira foi feita à medida do Norte. Esta moeda, que era demasiadamente forte para o Sul, era para o Norte suficientemente fraca para estimular a exportação. Uma desvantagem: o facto das empresas verem o seu lucro fiscalmente reduzido para que Roma pudesse desviar este capital para Sul. Estes subsídios financiavam sobretudo uma administração criminosa, sendo o governo o principal empregador. ‘Emprego em troca de votos’. Resultado, a Calábria tem mais guardas-florestais que o Canadá. Mas a indústria no norte de Itália guardava a sua vantagem: uma Lira relativamente fraca garantia poder de concorrência, sobretudo no mercado europeu. A integração monetária europeia asfixiou esta vantagem. 

No princípio dos anos noventa a Itália, por força das circunstâncias - as exportações caíram - retirou-se do Sistema Monetário Europeu (SME), que servia para evitar grandes flutuações de câmbio entre as diferentes moedas. Só depois do país ter saído do SME e de ter desvalorizado a Lira, é que a exportação se restabeleceu e deu início aos anos de ouro do ‘milagre económico italiano’. Mas o ‘milagre’ chegou drasticamente ao seu fim com a introdução do Euro. A moeda europeia, feita à medida da Alemanha, era muito cara para o Norte da Itália. A exportação caiu, desvalorizar não é mais possível e os italianos vão vivendo de crédito até à chegada da crise. Agora há muitas empresas no Norte de Itália a falir e os cidadãos vivem das suas poupanças. A pressão fiscal continua alta e foi ainda aumentada por Mário Monti, porque as transferências de capital em direcção do Mezzogiorno têm que continuar. De outra forma há uma revolta no Sul da Itália.

Italianos adoram o euro mas não as suas implicações…

A ausência de perspectivas no Sul da Itália vai de par com o empobrecimento do Norte. Berlusconi explora esta situação em conjunto com a Liga Norte, que designa Roma com o ponto onde começa África. Roberto Maroni, o líder da Liga, defende a introdução de uma moeda paralela ao euro na região da Lombardia. Graças à União Monetária Europeia um foco de podridão da moeda única instalou-se na terceira potência económica da Europa. Os italianos gostam muito do Euro mas odeiam as consequências da moeda única. Esta é a amarga realidade por trás do dramatismo teatral dos italianos.

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