O jornalista
holandês Bart Schut permaneceu durante 5 semanas na Venezuela onde terão lugar
eleições decisivas no Domingo dia 6 de Dezembro. Ele conta-nos muito
simplesmente como é que um país com as maiores reservas de petróleo do mundo se
transforma em meia dúzia de anos numa economia falida.
Bart Schut
Na Venezuela já nem
o basebol, nem mesmo o trânsito - as bichas em Caracas são lendárias - são
assunto de conversa entre os venezuelanos. Só dois temas dominam o dia-a-dia:
violência e economia. E pela primeira vez este ano o último tema ganha à
omnipresente e desenfreada criminalidade que reina no país. A escassez e hiperinflação
tornaram-se tão graves que vão ser os temas mais importantes das eleições
legislativas de Domingo, e não a total impunidade legal que assola o país à
mais de uma década.
Escassez
A lista de
produtos difíceis de obter aumenta cada mês: leite, farinha (para fazer 'arepas',
a especialidade nacional), ovos, café, comida para bebés, água mineral. Na
secção non-food ainda é pior: fraldas, tampões e pensos higiénicos, desodorizante,
até mesmo sabonete e champô é quase impossível encontrar. E também papel
higiénico, o assunto que dá origem à enorme quantidade de anedotas no país. E
quando se consegue arranjar um destes produtos, trata-se frequentemente de
marcas importadas a preços proibitivos, fora do alcance da maioria dos
venezuelanos.
Pura fantasia
Oficialmente o
venezuelano recebe um salário mínimo decente de 10.000 Bolívares. Ao câmbio
oficial isto representa 1500 euros, um salário que até mesmo a maioria dos países
ocidentais se orgulharia. Mas aqui a porca torce o rabo: a taxa de câmbio do Bolívar
só existe no papel e na imaginação dos dirigentes socialistas em Caracas. Para
obter o câmbio real é preciso consultar a website dolartoday.com e no momento
em que isto foi escrito encontrava-se a 968,88 Bs. para 1 €. Mas eu não sei
quando é que o leitor vai ler este artigo, e com a rápida desvalorização do Bolívar
pode acontecer que no momento da leitura já tenha atingido os 1000 Bs por Euro.
O que facilita consideravelmente o cálculo do câmbio: e então o salário mínimo
na Venezuela corresponde a 10 euros.
Para terem uma
ideia, um pacote de 400 gr de esparguete importado custa 900 bs. Quem comprar
10 pacotes esgota o seu salário mensal. Um polícia, muitos professores e até
mesmo médicos, não ganham mais do que este salário. O que faz aumentar as
dificuldades das classes mais desfavorecidas e até mesmo da classe média.
Culaques (termo russo para agricultores relativamente prósperos)
A escassez é uma
ferida auto-infligida dos socialistas. Tal como na União Soviética nos anos 20
e no Zimbabué dos anos 90 do século passado, os agricultores foram expulsos das
suas terras por razões ideológicas. A distribuição da terra pelos pobres
funciona perfeitamente num romance de Steinbeck, mas na prática é um desastre.
Na Ucrânia, que antes da revolução russa era o celeiro da Europa, a fome
rebentou depois da expropriação dos culaques, e o Zimbabué passou de exportador
a um país falido depois de que Robert Mugabe expulsou os agricultores brancos
das suas terras. Foi precisamente o que aconteceu na Venezuela depois das
expropriações em grande escala que tiveram lugar na primeira década deste
século.
Os novos proprietários
não eram produtivos e os antigos, que não foram expulsos, foram confrontados
com preços estabelecidos pelo Estado que rapidamente se situavam abaixo do
custo de produção, o que obrigou os agricultores a abandonar a terra e a
procurar a sua sorte nas cidades. Consequência: a Venezuela já quase não produz
alimentos. Até mesmo produtos que tradicionalmente eram exportados para o mundo
inteiro, como café, cacau e açúcar, têm agora que ser importados em troca de
dólares caríssimos. Para evitar que os venezuelanos morram de fome o governo
encarrega-se desta tarefa. Importar e subsidiar a alimentação com petrodólares
para depois vender com um enorme prejuízo para os cofres do Estado. Até há uns
anos atrás isto era possível com o preço do barril de petróleo à volta dos 100
dólares, o governo de Hugo Chávez tinha divisas estrangeiras suficientes para
abastecer os supermercados e manter a população satisfeita.
A Oceânia de Orwell
Agora que o preço
do barril de petróleo está abaixo dos 40 dólares e as reservas do Estado em
divisas estão esgotadas, a escolha é pedir emprestado ou aceitar a escassez. Os
socialistas escolheram as duas opções, de forma que a dívida do Estado aumenta
rapidamente e as prateleiras estão cada vez mais vazias. Uma ida ao
supermercado na Venezuela é um cruzamento entre a DDR dos anos 80 e a Oceânia do
George Orwell. Logo que corre o rumor que um supermercado recebeu um produto
subsidiado, por exemplo leite, imediatamente se forma uma enorme bicha à
entrada. Pode durar horas antes do comprador entrar no supermercado, e ainda
vai ter que ir para outra bicha para receber o produto. É claro que existe o
risco do último pacote de leite ter sido vendido antes de chegar a sua vez e o
seu esforço e paciência ter sido em vão.
Para evitar o
açambarcamento o governo criou certas medidas. O cliente só pode comprar uma
quantidade limitada 'a precio justo', por exemplo dois pacotes de leite de
litro. Mas isto não chega, o Estado tenta também evitar que o cliente compre
mais do que uma vez por semana produtos subsidiados. E então o venezuelano só
pode fazer compras no dia que corresponde ao último número da sua cédula. Mas mesmo
assim não é suficiente, uma pessoa pode percorrer vários supermercados num dia.
Por isso é que o consumidor é obrigado a escanear os dois polegares a cada
compra. Se no mesmo dia tentar comprar mais leite, a caixa do próximo
supermercado recebe um sinal que a transacção não é autorizada. Mas além disso
os venezuelanos mais críticos acham que não é esta a única razão para escanear
os polegares. Muitos estão convencidos que as autoridades querem controlar a
população através das compras. E há algo de verdade nisto, porque mesmo quando
não temos produtos subsidiados no cesto de compras, temos que escanear os
polegares. Até mesmo estrangeiros, que não têm cédula e não podem comprar esses
produtos, são obrigados a colocar os polegares no scanner.
Teimosia
Dependente de
como se calcula, a inflação no ano corrente pode atingir os 800% e nada indica
que em 2016 melhore. Sobretudo porque também o governo socialista se recusa persistentemente
a aceitar a existência de um problema. Respeita teimosamente o câmbio oficial.
Depois da última desvalorização o Bolívar foi abreviado de forma optimista em
Bs.F. - o F significa 'fuerte'. Mas deixaram de publicar dados sobre a
inflação, na realidade o governo 'bolivariano' comporta-se como uma criança que
tem medo de monstros no escuro do seu quarto de dormir: cabeça debaixo dos
lençóis, porque 'se eu não os vejo eles também não me vêem'.
Entretanto os
dirigentes revolucionários roubam a restante riqueza do país. Segundo a
organização de combate à corrupção Transparency International, a Venezuela é o
país mais corrupto da América Latina e um dos quinze mais corruptos do mundo.
Segundo o jornal Diário de las Américas, publicado em Miami, a filha do
ex-presidente e líder revolucionário Hugo Chávez é a mulher mais rica do país,
apesar de nunca ter tido um emprego a sério. Maria Gabriela Chávez parece ter
quase 4 mil milhões de dólares em contas de bancos americanos e de Andorra.
Mas mesmo que esta notícia contenha uma forte dose de exageração anti-chavista, é
para toda a gente evidente que a Maria Gabriela nunca prestou muita atenção às
partes dos inúmeros discursos onde o pai dela afirmava que ser rico é pecado e
que o capitalismo conduz ao inferno.
No que diz
respeito à inflação o governo nega-a ou ignora-a, mas reconhece a existência de
escassez. Mas os socialistas sabem de quem é a culpa. Na televisão estatal
(todos os canais da Venezuela) ouve-se diariamente que os problemas económicos
do país têm origem nas maquinações e sabotagens do El Império (os EUA) e na
conspiração das oligarquias para sabotar a revolução e depor o governo. Só que
não existem sanções americanas contra a Venezuela nem nunca foram apresentadas qualquer
prova de sabotagem. As constantes falhas de electricidade e de água, por
exemplo, são ocasionadas por má gestão num país em que os funcionários são
apenas recompensados pela fidelidade ao PSUV (Partido Socialista Unido de
Venezuela), em vez de competência e experiência.
Brain drain
Lorenzo Mendoza é
o maior empresário venezuelano que ainda não abandonou o país (um milhão e meio
de compatriotas, na maioria com estudos superiores, já o fizeram - uma fuga de
capital humano com consequências devastadoras na sociedade). Lorenzo Mendoza é
o dono da Polar, a mais famosa marca de cerveja do país e a bem dizer a última
empresa venezuelana que produz com sucesso produtos alimentares. Mas Mendoza
foi agora apontado pelo governo em Caracas como o bode expiatório nacional. Diosdado Cabello, presidente da assembleia e o pitbull do regime, quer iniciar uma investigação judicial contra o empresário
porque este parece ter sugerido que a Venezuela devia pedir ajuda ao FMI para
combater a grave crise económica.
Típico da liderança
revolucionária do país; a culpa é sempre dos outros, nunca da própria política,
mesmo que esta já dure há 100 anos e em todos os sítios em que foi implementada
o resultado é sempre o mesmo: caos económico. Mesmo quando tudo indica que a
população está decidida a infligir uma pesada derrota aos socialistas nas
eleições no próximo Domingo (apesar da falta de liberdade e falcatruas
eleitorais), os chavistas recusam-se a dar o braço a torcer e a aceitar que
levaram o país à banca rota. Outro exemplo ilustrativo da política de avestruz
dos socialistas: para não ter que admitir a enorme inflação, o governo
recusa-se a imprimir notas superiores a 100 Bs. O que faz com que as pessoas
andem na rua com enormes maços de notas, dando origem à previsível anedota:
'tens um maço de notas no bolso ou estás contente de me ver?"
Limiar de pobreza
Para o próximo
ano calcula-se uma baixa de 10% da economia Venezuelana, mas negociações com o
FMI é considerado tabu no governo de Nicolás Maduro. Todas as medidas que Hugo
Chávez implementou no início deste século para melhorar a situação dos pobres,
foram extintas pela crise e pela inflação. A percentagem de venezuelanos abaixo
do limiar de pobreza é actualmente de 55%, mais do que quando Chávez em 1999
chegou ao poder.
Até mesmo o
orgulho da revolução bolivariana, o Serviço Nacional de Saúde, está falido. Os
postos médicos nos bairros de lata debatem-se com uma enorme falta de
medicamentos e pessoal. Os médicos do hospital Domingo Luciani contaram-me que
em muitos hospitais os médicos fazem uma vaquinha para comprarem analgésicos e
ligaduras antes de começar o serviço. Os milhares de médicos cubanos que os
Castros enviaram para a Venezuela para apoiar a 'revolução médica',
desapareceram como o fumo. Apesar de serem pagos em dólares e com um salário
superior ao dos seus colegas locais, abandonaram em massa o país e foram para o
Brasil ou para os Estados Unidos através da Colômbia.
Em casa de amigos em Valência, a três horas de viagem
a sudeste de Caracas, ouvi uma conversa entre duas velhotas. "Ó rapariga,
conseguiste arranjar café?" "Sim, e até açúcar para meter no café,
que achas?" As duas olharam uma para a outra e desataram à
gargalhada. "Ora vê lá tu ao que
chegou o nosso país!" Esta cena é o dia-a-dia entre todas as camadas da
população. Daí que todos os prognósticos indiquem que as enormes bichas à porta
de supermercados e bancos vão-se repetir nos locais de voto no dia 6 de
Dezembro.... para depois de 16 anos de revolução acabarem finalmente com o
governo socialista.
"Mais um caso em que a bonita ideologia que é o Comunismo foi colocada em prática de forma errada." dirão os esquerdistas, sem terem ainda, em quase 100 anos de socialismos, uma única nação comunista da qual se possam orgulhar...
ResponderEliminarNem uma.... Poderiam dizer a verdade uma vez por todas e começar de novo, mas não, insistem em mentir à população e aos seus militantes!
ResponderEliminar“Poderiam dizer a verdade… …”
ResponderEliminarMas nesse caso, tanto a população como os militantes são uma cambada de anjinhos?
Quando somos militantes temos sempre a tendência para ser anjinhos, mas uma grande parte da população já não são - pelo menos no que diz respeito a acreditarem em manhãs que cantam...
ResponderEliminarPelo menos para os maduros da Venezuela. O que já não é nada mau.
ResponderEliminarPrecisamente. A Venezuela viveu 16 anos de fantasias revolucionárias e acordou com a casa toda escavacada, agora vão ter que recomeçar tudo de novo. Bonito serviço!
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