Às vezes temos sorte! Quando podemos juntar
uma fantástica canção do Zeca Afonso (mais uma que eu gosto) sobre um
imaginário menino de um bairro negro com um excelente artigo de um verdadeiro
menino de um bairro negro, que vive em Portugal desde 1980 e é licenciado em
história pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
Gabriel Mhitá Ribeiro
Pobreza? Tenham decência, nem sabem do que
estão a falar
Quem teve de viver na miséria, na diferença
racial, como eu vivi, ou que se viu forçado a recomeçar do nada sabe o cuidado,
o recato, a ponderação exigíveis quando se mexe em dignidades esfrangalhadas.
A retórica política transformou a pobreza em
artilharia pesada das fraturas ideológicas entre a esquerda e a direita
ultrapassando os limites da decência para legitimar a superioridade moral de um
dos lados da barricada.
Descendo de famílias pobres e de secular
tradição emigrante. Do lado paterno, o católico, a ascendência resulta da
miscigenação entre árabes sírios e autóctones moçambicanos. Do lado materno, o
islâmico, a ascendência vem de indianos gujarate (de provável ancestralidade
paquistanesa) e mestiços de cruzamentos entre originários do Índico e
autóctones moçambicanos.
Depois de viverem noutras cidades, os meus
pais fixaram-se no Xipamanine, subúrbio da antiga Lourenço Marques, hoje
Maputo, cidade onde nasci. Tive a sorte de crescer na geração que saía da
pobreza. Já vivia numa vivenda modesta nos arredores da cidade. Eram tempos em
que a família tinha carro, bicicletas racionadas, idas ao cinema, à praia,
férias distantes em casa de familiares. Pouco mais. Éramos também dos que não
viam os negros no quintal ou a servir porque são família chegada.
Ler o resto aqui.
Go_dot: Excelente! Merece ser traduzido em holandês e distribuído por todas as escolas e prachtwijken da Hella Vogelaar.
ResponderEliminar[O comentário de Go_dot desapareceu durante as minhas tentativas para que o Blogger não traduzisse (mal) automaticamente o post na língua do Bush... cdr]
Precisamente Go_dot. Mas no Facebook a esquerda acha que este negro não é dos bons! Não corresponde à imagem do HOMEM NOVO da canção do Zeca Afonso.
ResponderEliminarPrachtwijken?... hesitei no “Prachtwijken“ mas a maleabilidade da língua holandesa é (para mim) intraduzível.
ResponderEliminarA esquerda do face-book, não me palpita que seja muito diferente da esquerda em geral. Há os bons os maus e os vilões. Os primeiros acreditam na emancipação das massas, os segundos estão mais interessados nas massas e os últimos, vendem a mãe ao diabo pelas massas.
De resto o ressentimento colectivista e o odio à liberdade não se manifesta só na esquerda.
Sem ironia. A arte do José Afonso, é tão contundente hoje como quando saiu.
Canta camarada canta
Que a cantar ninguém te afronta
Esta minha espada corta
Dos copos até à ponta
Tenho sina de morrer
Na ponta de uma navalha
Pois eu sempre ouvi dizer
Morra o homem na batalha
Trema o mar, trema a terra
Daqui ninguém arredou
Quem daqui pode arredar
Sendo um homem como eu sou
Eu ei-de morrer de um tiro
Ou de uma faca de ponta
Se ei-de morrer amanhã
Morra hoje, tanto monta
O pão que sobra à riqueza
Distribuído pela razão
Matava a fome à pobreza
E ainda sobrava pão
Levanta-te ó milionário
Vai um enterro a passar
É a filha de um operário
Que morreu a trabalhar
Quem trabalha e mata a fome
Não come o pão de ninguém
Mas quem não trabalha e come
Come sempre o pão de alguém
Sei que pareço um ladrão
Mas há muitos que eu conheço
Que não parecendo o que são
São aquilo que eu pareço
A última estrofe é do António Aleixo, que não era tão contundente mas nem port isso menos expressivo...
ResponderEliminarÉ verdade estão um par de versos a mais. Fiz um copy paste descuidado.
ResponderEliminarAinda sobre este texto de Mithá Ribeiro, uma brilhante réplica de Alberto Gonçalves no Diario e Noticias de hoje.
ResponderEliminarOs amigos dos pobres [...] Os inclinados para a franqueza chamaram a Mithá Ribeiro "pretinho salazarista". É sem dúvida bonito confirmar que a tolerância da esquerda só persiste em condições ideais, ou seja quando ninguém ousa beliscar a sua imaculada moralidade. Se beliscada, como no remoque do sindicalista Arménio acerca do "escurinho" da troika, até o racismo é uma carta legítima.[...]