Torres Vedras, Janeiro de 2004
No seguimento da polémica portuguesa à volta
de Gabriel Mhitá Ribeiro, o jornalista Alberto Gonçalves escreveu na sexta
feira 20 Fevereiro o melhor texto que li sobre este assunto. Esta sua magnífica
frase vai já para o meu panteão de citações famosas, e vai ficar entre Alá no
Alcorão e Almada Negreiros:
O que verdadeiramente indigna a esquerda é o
seu tradicional inimigo: a ascensão social. Para quem ganha a vida através da
"ajuda" aos pobres, não há pior do que um pobre que vence na primeira
e dispensou a hipocrisia da segunda. Não há pior, em suma, do que um pobre que
deixou de o ser - excepto o que, para cúmulo, se atreve a contar a sua
história.
Conheço Gabriel Mithá Ribeiro de textos na
imprensa e de pelo menos um livro que o próprio me enviou há anos. Mithá
Ribeiro em geral escreve, com acerto e sem a merecida repercussão, sobre o
ensino. Nesta semana escreveu no Observador sobre a pobreza. Lembrou a época em
que a sua família, regressada de Moçambique, foi pobre. Notou a importância do
trabalho e, se bem entendi, da sorte na fuga para a classe média. Lamentou a
cultura da dependência. Criticou os que fomentam essa cultura e prosperam à
respectiva custa. Por outras palavras, Mithá Ribeiro disse o que disse um humorista
acerca de certo fotógrafo: no ângulo certo, pobre rende um dinheirão.
Naturalmente, pôs as ditas "redes sociais" a babar ódio durante um
dia ou dois.
Uns, mais dados à indignação épica, acham
impossível que em 2015 ainda se escrevam coisas do género. Os inclinados para a
franqueza chamaram a Mithá Ribeiro "pretinho salazarista". É sem
dúvida bonito confirmar que a tolerância da esquerda só persiste em condições
ideais, ou seja quando ninguém ousa beliscar a sua imaculada moralidade. Se beliscada,
como no remoque do sindicalista Arménio acerca do "escurinho" da
troika, até o racismo é uma carta legítima.
Porém, não se presuma que os motivos da fúria
são raciais. Ou que, conforme se fingiu, se prendem com a alegada pretensão de
Mithá Ribeiro em restringir a discussão aos portadores de experiência na
matéria. Nem por sombras. O que verdadeiramente indigna a esquerda é o seu
tradicional inimigo: a ascensão social. Para quem ganha a vida através da
"ajuda" aos pobres, não há pior do que um pobre que vence na primeira
e dispensou a hipocrisia da segunda. Não há pior, em suma, do que um pobre que
deixou de o ser - excepto o que, para cúmulo, se atreve a contar a sua
história.
O marxismo, clássico ou "moderno",
aprecia um mundo arrumadinho e imóvel, onde a pobreza é menos um estado do que
uma condição vitalícia. Não se trata apenas de viver a pretexto dos
necessitados: trata-se de garantir que estes continuam a necessitar - de abonos,
protestos ou discursos "solidários". É por isso que se abomina o
descaramento dos "arrivistas", dos "novos-ricos" e até dos
recém--remediados ao mesmo tempo que se dedicam lengalengas demagógicas aos
velhos e, conquista suprema, aos novos pobres. A miséria alheia assegura o
sucesso dos que juram combatê-la mas celebram o seu crescimento, real ou
desejado. O episódio do "pretinho salazarista" limitou-se a recordar
uma fraude cruel: os amigos dos pobres só gostam deles assim.
Com que então colocas aqui uma fotografia do meu amigo Benjamin dos Reis. Esta figura Torreense, que toda a gente pensa que ele é pobre, vem de Runa. Conheço muito bem este "artista", e não tenhas pena dele.....!! É mais fino que uma pulga...! Óh se é...!! Abraços Xavier
ResponderEliminarXavier, só não sabia o nome dele. Mas quando o fotografei, precisamente no centro de Torres, a pessoa que ia comigo contou-me a história e, realmente, parece que não é tão pobre como se faz passar. Mas este facto só vem ajudar à festa do artigo, a ASCENSÃO SOCIAL, neste caso do nosso amigo Benjamim dos Reis...
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